2020-02-01

O Rio




O canal de águas barrentas transmuta-se em visão onírica.
Dissimula-se cobrindo o seu leito com um véu negro onde se perdem, infindas, as luzes da cidade.
Criaturas apaixonadas perdem-se e apertam-se no encanto da sua cinesia.
Águas geladas recebem-lhes os gestos e as palavras não ditas, reprofundando dentro de si a confidência de loucas promessas.
As cores que a cidade derramou no rio deixaram de lhe pertencer.
Diluídas, são obra involuntária, produto de casualidade, mesmo que a origem lhe seja indiferente e que a mão sábia do homem as tenha inventado.
Na manhã o inverno devolverá o barro ao rio, a cinza e a sépia às fachadas húmidas, a nudez crua do que é desvendado áquele que acordou.
Vemos então o canal que molda a água escorrer formas.
Quando de negro se transmutar novamente serão elas os amantes e os filhos do seu leito, escravos do seu peito, seus eternos e noctívagos navegantes.