2012-12-22

Este ano não há Presépio!

Procuro presépios. Os presépios são raros. É meia-noite, um pouco mais, isto diz-me o relógio, diz-me o grupo de pessoas que se dirige para a portaria. No relvado estão estacionados os bonecos de lata, pedaços de metal que reluzem como ouro. Não distingo os pais do menino, menino feito de pedaços. Chego-me perto do menino e deixo-me observá-lo. Os meus olhos percorrem-lhe as pernas, os braços, o corpo e ele, menino, tão metálico deixa-se estar, deitado, tão metálico como as restantes testemunhas. Ouço vozes que me chamam, Paulo! Vens ou não…Vou já, apenas mais um espaço neste tempo de que preciso para…Vou já! Estou a ir…E no entanto não vou, os olhos presos no metal do menino…Jesus…


Já cá fora sinto-lhe a presença, ainda metálica, a mãe metálica, o pai metálico, os reis que só são dois, também eles metálicos, tudo tão frio…Está frio e a névoa absorve o tempo que me leva a casa. Deixem-me confessar-vos que a casa são pessoas. Eu nunca voltei a casa…A casa é hoje aquilo que nunca foi. O presépio? Onde está o presépio?

Volto para quem amo, para as mulheres que amo, mesmo que não as saiba amar…mas quem sabe? Onde estão os presépios? A cidade nua dos retornados foi esquecida…Quem se lembra duma cidade nua perdida entre acessos inacabados, o dinheiro que falta onde também falta a vergonha. São tantas as luzes…Sim, são as luzes do meu carro, bateria com “B” de Belém, haja dinheiro e a estrela irá aparecer ao menino, menino de carne que foge aos Herodes. Hoje a carne é fraca e o Herodes não está…Ou está onde sempre esteve…Palácio…No Palácio…De Belém….

Onde está a representação do mito? Não me roubem o mito que me obrigou a ficar sentado à espera do seu nascimento durante tantos anos…Os primeiros anos…Os anos que construíram a minha carne, a minha alma, a minha…Esperança! Onde está o Presépio?

As luzes são poucas e gastas, tudo está gasto. Também eu me vou gastando, mas não me importo, o metal da minha carne é para se gastar. Sinto falta das luzes…Dizem-me que já não há dinheiro…A luz foi atrás do íman germânico…Jesus Cristo era Judeu mas o Natal agora é Alemão! Mutter Merckle não me apague a luz…

No deserto árido da Baviera a areia sabe a neve…É fria como as moedas que trago no bolso. Não fosse o meu calor e elas queimariam. Onde estão os Presépios? Os pinos, um a um, explicam-me a crise com palavras simples…É por aqui! Hoje os pinos são a estrela de Belém, os plásticos cheios de água que me barram a estrada enquanto procuro o mar…As árvores e o mar…Tudo tão perto e tão longe…

Onde estão os presépios?

O menino portou-se mal! Este ano não há Presépio!

2012-12-10

De "O Livro dos Medos" por Paulo Guerreiro

VIII


A pátria fede de vapores impróprios enquanto eu canto o hino agarrado às pernas de um jogador.

A pátria evapora-se, vítima da globalização, e eu condenso-lhe as dores.

Eu sou a pátria que sofre, tenho-lhe um amor dorido e profundo.

Sou eu o órfão quando ela morrer.

Sei-lhe a bandeira no sangue e a música em que me embalo.

“Heróis do mar, nobre…”…Sou porque te amo.

Que nasça do meu amor a tua perfeição.

Nos edifícios do poder escrevem-se as palavras da minha vergonha.

Viva a Republica! Viva a Democracia! Viva a Grécia que as inventou! Morte ao Rei que as usurpou!

Ela foi cruz e é quinas, castelos e esfera anilar, “Nação valente e imortal...”.

Levanto-me eu todos os dias porque acredito em ti…No teu esplendor…No meu esplendor.

Desvanece-se o sonho e resta-nos a memória do que não vivendo, aprendemos.

Camões! Quem nos canta agora?

Às armas! Às armas!

A pátria dilui-se e expurga os seus filhos…

Eu quero a terra onde nasci,

Quero pertencer a esse sonho de reconquista que não fui eu que inventei…

D. Henrique não foi morrer em Jerusalém!

Eu também quero morrer aqui, mesmo que tenha de voltar!

Contra quem não sei…

Marchar…Marchar…