2011-11-23

A CULPA

Louvados sejam os deuses,
Glorificados os seu actos,
Na esperança de sua bênção.
Que incapacidade genética,
Que deficiência maligna,
Nos tornou tão submissos?
Louvados sejam os guias,
Adorados os seus passos,
Porque o caminho é difícil.
Levem-nos pela mão,
Cegos por convicção,
Amanhã o regresso será incerto,
E o futuro desconhecido.
Pensem por nós que somos pecadores.
Nós que escolhemos sem saber
Um destino qualquer.
Lavem-me a roupa das nódoas,
A alma das misérias
E a cabeça de pensamentos.
Doem-me tanto as decisões,
As escolhas incertas,
As ruas desertas
Por onde me fazem andar.
Deixem-me somente o prazer,
Mesmo que não seja eu a escolher.
Quero lá saber da liberdade,
Se não souber a quem louvar.
Quero que me levem pela mão.
Levem-me vocês que inventaram o medo
E a minha solidão.
Levem-me dos receios que não sabia,
Levem-me de tudo o que desconhecia.
Não quero ter opinião,
Que me reste a justificação
De não haver outra saída.
Adormeçam-me com receios,
Cenários escuros e negros,
Abismos e sobressaltos.
Acordem-me para votar,
Façam-me sentir importante
Com escolhas de mão no ar.
Ontem disse que sim,
Hoje penso que não.
E vocês que já lá estão
Estão a rir-se de mim.
Louvados todos os que eu sigo
Porque já não há solução,
Enquanto eu beijar a mão
Que me dá o castigo.

2011-11-19

Dúvida






Lembro-me de mim,
em cada passo me revejo.
Do centro ao sul
e depois ao centro.
Lembro-me de ti,
ao lado dos passos que dei.
De um lado ao outro,
De tudo o que foi,
e depois voltei.
Voltei porque tinha de voltar,
porque os passos não se esquecem,
porque com os passos que dei,
a algum lado havia de chegar.
Sítio que é porque estou,
relembro quem ficou.
E lembro-me de mim,
com os passos que dei.
Assim foi o que decidi,
horas na estrada do sul,
rumo ao sol que nascia,
rumo ao sul que um dia soube,
para um “Eu” já pequenino.
Numa terra de um largo,
num terraço já antigo,
de uma casa que não existe,
com uma porta e um postigo,
por onde ninguém olha.
Foi destino, foi castigo,
foi a vida, fui eu,
com os passos que dei,
que decidi, amigo,
voltar ao que já não sei.
Sei que não é retorno,
parte de mim ai morreu
e outra parte renasceu,
num lugar mais morno.
Lembro-me de mim
e dos passos que dei,
Só não sei se fui eu que caminhei.

2011-11-14

Quando as palavras nos faltam porque as pessoas se foram




Sentado na minha cadeira,
no conforto do meu quarto,
na sala do meu descanso, manso o desassossego das visitas.
A cadeira de um café,
onde também se bebia café,
porque era no café que tudo começava
e onde tudo também podia acabar.
Falam as bocas de coisas, de pessoas,
das pessoas o mundo,
do mundo as palavras e as pessoas que as dizem.
Foi ontem, mais ou menos à trinta anos,
como podia ser hoje a pensar ontem,
como se tivesse importância o que se diz quando se pensa.
Foram quartos, muitos quartos,
dos quartos de pessoas que se conheciam.
O conforto dos quartos, que era o conforto da amizade,
da cumplicidade, de mais qualquer coisa.
Na sala a música,
omnipresente,
pretexto e finalidade,
desculpa ou lazer,
prazer, discussão, união.
As visitas que se repetiam,
os números que sabiam,
as portas que se conheciam,
e outras coisas mais que atenuavam desassossegos.
Mansos os dias de visita,
calmas peregrinações,
de café em café, sala em sala,
nas escadas, nos jardins, nos passeios
ou simplesmente na rua,
na minha, na tua, na nossa,
que também podia não ser…
tudo isto são palavras que são ditas quando não existem palavras,
porque as palavras escasseiam quando a ausência é definitiva,
no entanto dizem-se!
Até logo!