2015-04-29

A lareira permanece acesa...

Dez de Novembro de dois mil e catorze, dezassete horas e dezanove minutos. Cheguei do trabalho. Entro em casa. A sala, fria e escura, recebe-me de braços abertos, num aconchego gelado de coisa morta. Um ligeiro cheiro a humidade paira no ar, lugar-comum para algo que se insinua, estado de presença, existência, não se impondo, fazendo-se notar. Um grito de alerta para o espaço imediato e para aquele logo a seguir, e isto significa ouvir-se em toda a casa. MARIANAA! E enquanto o nome ecoa aprumo o ouvido e sintonizo-me com os ruídos do silêncio, uma fração de segundos, uma fração que durou segundos, que me desesperou o tempo suficiente para nem chegar a ser tempo, tão ao de leve como a resposta, sim pai!
Já estás na cama? Estava com frio, uma pausa enquanto ajeita os lençóis, acomoda o corpo para se debruçar num caderno manuscrito, estavas a estudar? Vais ter algum teste? Sim, o último antes do Natal, de físico-química, o último, o primeiro de muitos, vou lá abaixo acender o aquecedor, porque é que não acendes antes a lareira.
Fui à casa de banho, depois fui à garagem e fumei um cigarro, quanto tempo demorei? Não sei, uns míseros cinco minutos. Peguei em três pequenos toros e numa caixa de acendalhas.
A lareira já está acesa, ouve-se uma guitarra e um baixo, aplausos, obrigado! Dead Combo, Live at Teatro São Luiz, começando com sopa de cavalo cansado, passando por quando a alma não é pequena, acabando num desabafo ai que vida, e o ecrã à minha frente, o ícone do Word insinuando-se, lembrando-me do atalho que criei vai para meses, numa tentativa frustrada de criar hábitos de escrita, um teclar constante e consciente, produtivo e independente de estados de humor, um exercício de construção com objetivo, um projeto acabado.

A lareira permanece acesa, eu entretanto adormeci…

2015-04-25

EU SOU!

EU SOU!

Eu sou a raiva que não posso,
A tristeza que me permito,
O desencanto que me venderam,
Um carrossel sem fim.

Eu sou o combatente sem arma,
O soldado de trincheira,
A latrina mal lavada,
Uma espada de madeira.

Sou a pedra que não fere,
A palavra que não diz,
A história que não se escreve
Os restos deste País.

Eu sou a morte renegada,
Uma flor sem cheiro,
Sou um todo que não é nada,
Quando não tem companheiro.

Sou a tristeza fingida,
Sou a alma inventada,
Sou a grandeza despida,
De liberdade comprada.

Sou um filho de más noites,
E a cova dos futuros.
Em mim morre tudo o que é sonho
Por detrás de imensos muros.


Grito sempre a horas certas,
E luto a horas marcadas.
Eu sou a espera dos outros,
Reflexo de manadas.

Eu sou os primeiros minutos do dia,
A confissão sem perdão.
Sou a vitória que adia
O destino da Nação.

Eu sou o que penso,
Quando me obrigam a pensar.
E de tudo o que me resta,
O que me falta chorar.

AH meu Vinte Cinco,
Meu cravo de florista,
Minha lembrança de livro,
Minha página de História!

O que serei eu amanhã,

Quando este dia passar?

(Após concerto de Sérgio Godinho em Vila Nova de Santo André 24 de Abril de 2015, que me sirva de lembrança...)