2010-01-13

O velho e o casal

Num banco de jardim está sentado um velho, assim mesmo, velho. Velho de velhice vivida, daquela que se agarra à pele e marca cada pequeno pedaço de carne, a pele ajusta-se e enruga. Eu vejo-o daqui mas não é aqui que eu estou. Estou mais além, à porta daquele café, de frente para aquela mulher que por sinal é a minha mulher, não que a tenha comprado, mas o contrato assim obriga. No fim de contas talvez não tenha sido o contrato, mas que importa isso agora que a vejo daqui. O velho olha para nós, paciente, à espera. A experiência diz-lhe que algo se vai passar e ele que já pensou levantar-se, sim eu bem o vi fazer o gesto que a finta desfez quando a ouviu gritar, deixa-se ficar mais um pouco. E eu daqui olho para ele e ouço-te chamar-me parvo e imagino-me a corar, a encher-me de raiva. Pela expressão do velho sei que vou responder, ele que inclina ligeiramente a cabeça, como se eu não fosse gritar suficientemente alto, Eu não sou parvo! Mas sou, sempre fui e ainda agora que daqui nos vejo o sou. Vejo-me parvo, pateticamente parvo e vejo que o velho me vê tal e qual. E eu grito que não sou, que só sou quando acredito em ti e eu acredito sempre em ti, mesmo quando não acredito, porque os teus olhos verdes me fazem sonhar, porque a tua pele que é branca e aveludada me toca sem me tocar, cola-se a mim e quando tu te vais embora eu choro porque sei que não és só minha. A minha mulher, será que o velho percebe que ela não é só minha, que todo aquele trabalho fora de horas…O velho inclina-se um pouco mais e arregala os olhos. Fui eu que levantei a mão. Porque levantei eu a mão? Não estava com atenção, olhava para ti velho de uma figa, mas adivinho uma das tuas respostas entre dentes, se não acreditas em mim tens bom remédio, mesmo depois de lhe sentir o cheiro na tua roupa, aquele cheiro de aftershave cara que eu não tenho dinheiro para pagar nem nariz para apreciar. Eu preciso trabalhar, o velho retoma uma posição de recosto, a minha mão desceu devagar, cobarde do gesto que nunca teve intenção, e eu preciso de ti, depois de eu ir trabalhar. Sinto que o velho me olha com pena, agora que olho para mim também eu sinto pena…De mim…Porque és tão grande e eu tão pequeno, tão insignificante ao pé de ti? O velho olha-me e vê-me pequeno, de ombros caídos, cansado de mim que te ama desesperadamente. O velho vê-te e partir, depois vira o olhar na minha direcção e estremece. Não sei bem o que foi, talvez um arrepio de frio, com este calor, nunca se sabe, a idade, o velho abre a boca e solta um som, talvez uma palavra, o seu olhar é um misto de incredulidade e terror. Começo a assustar-me, quero olhar para nós e não consigo, os meus olhos estão fixos no velho que grita. Ouvem-se tiros e eu que não tirei os olhos do velho vejo-o encolher-se e escorregar pelo banco do jardim. Ele escorrega lentamente e vai deixando um pequeno rasto vermelho acastanhado, sangue, provavelmente sangue, sangue de velho, gasto, escuro, baço. Agora que o velho se encontra todo no chão, escorrido e mole eu olho para ti e não te vejo, vejo-me a mim de arma na mão tentando apontar não sei a quem. Vejo-me cair e só depois percebo que também tu estás deitada. O polícia, que se aproxima, à confiança faz mais um disparo. Vejo-me imóvel e olho para o velho, também ele imóvel. Ao de leve sinto-me partir. Dos três corpos deitados só um me desperta atenção…Adeus velho!