2012-05-05

Naufrago

 

E eis-me despido. Despido porque nu, isento de camuflagens, vazio de disfarces, defesas que pensava mas não eram, o Carnaval da minha vida mas também das outras. Olho nu para o ecrã branco que já foi caderno, folha sem pretensões, papel de jornal já lido, guardanapo de papel, pedaço de qualquer coisa, fragmento passível de inscrição, olho e não vejo. Leio do cancro das mulheres dos outros e sinto de maneira especial a escrita do autor, o amor de quem sabe que amar não chega para salvar, as palavras que procuram redenção, mesmo quando a ignoram ou pretendem afrontar. Sento-me à mesa e alimento-me do que está no prato, poderia ter sido eu a escolher e até fui, mesmo sem saber. Sento-me à mesa e leio, leio porque assim tem de ser, estou nu e preciso vestir-me. Procuro cobrir-me de prosas, das prosas dos outros, eles que me vistam, disfarcem de mim o que não devo mostrar. Descobri que a minha nudez também é interior. De tanto falar repeti-me e como um papagaio não sei o que digo, ou o que digo não me tem significado. Eu digo e outros que ouvem fazem que sim ou que não e eu observo. De fora vejo o que digo, por dentro ouço o que vejo. Surdo de tanto falar sou cego do que ouço e no entanto ainda me julgo, como se ter opinião me bastasse. O Ricardo que fale por mim, faça-me ele rir todas as manhãs e o meu combate está feito. Bem feito! E estas palavras são como testemunhos numa garrafa virtual, o mar todo à minha volta e este blogue garrafa, esta forma tão moderna e impessoal de lançar mensagens. Estou nu e não sei o que hei-de vestir. Reservo para mim esta indecisão e assim vou ficar até me decidir...