2021-04-25

2021/04/25 10H39

 2021/04/25 10H39

 

Dois mil e vinte e um,

Abril, dia vinte cinco,

Domingo.

São dez horas da manhã e devia sentir alguma coisa.

 

Passaram quarenta e sete anos pela data.

Passaram cinquenta e seis por mim.

Algo passou, foi o tempo.

Eu mato esse tempo para poder recordar,

Como se fosse hoje.

 

 

 

 

A criança sentada no sofá da sala.

O olhar silencioso desvendando o silêncio da mãe.

Uma lágrima solitária desce apressada após uma breve hesitação.

A lágrima repousa no canto da boca.

A criança lê os sinais,

Lê a lágrima pura e cristalina da progenitora,

Lê-lhe o canto da boca,

O risco que se eleva,

O quase sorriso.

A aparelhagem sonora que é rádio e gira discos hoje é outra coisa.

 

Não me consigo recordar das palavras,

Do verbo dos homens da rádio,

Da música que saía pelos altifalantes.

Passaram quarenta e sete anos,

E eu era tão novo.

Quero acreditar que a minha mãe me abraçou.

Quero acreditar que abraçada a mim chorou de alegria,

Pelo fim da guerra,

Para poder esquecer aquele dia em 73 quando três homens bem vestidos lhe tiraram o marido.

Três dias durou a ausência.

O desassossego, esse perdurou.

Talvez acabe hoje, naquele dia, há quarenta e sete anos.

 

Era ainda noite quando o telefone tocou.

Não me lembro do telefone mas sei que ele tocou.

Sei que do outro lado o meu pai avisou a minha mãe.

Não posso sair…Um golpe de estado…Tropa à entrada da refinaria…Liga o rádio…

Terão sido essas as palavras?

Não sei…

 

Gostava de lhes perguntar,

De confirmar a veracidade deste passado.

Hoje, juntos onde se encontram, não me podem responder.

Hoje comemoram sozinhos o seu aniversário,

 

E eu, o que comemoro eu?

Sem sombra de dúvida que comemoro a liberdade.

Haverá algo mais a comemorar?

Necessitarei de mais palavras?

Penso que não e mesmos estas poderão ter sido desnecessárias.

 

Aos homens e às mulheres que possibilitaram o 25 de Abril um grande obrigado.

A homenagem possível é uma promessa que não pode ser quebrada.

Preservar a liberdade não é coisa pouca e nem todas as pessoas a entendem da mesma forma.

Poder escrever estas palavras e não ser incomodado é quanto me basta hoje.

 

Amanhã será outro dia…