2011-12-30

E depois…A Gravata Verde

Na mesa que estava gasta,
O dia ia longo,
De lonjuras gastronómicas,
De garrafas cansadas de vazias,
O dia ia longo neste natal de 2011.
Alguém que coma mais um pouco,
Um pouco do que sobra nestes pratos,
Nesta mesa gasta,
Cansada de um dia longo.
A televisão esgotara-se,
Esvaíra-se,
De programas,
De circos,
De pretensos filmes de natal,
De espectáculos gastos…
…E longos,
Neste dia de natal,
Que ia longo.

E depois…
A gravata apareceu,
Verde,
Elegante,
Preparada.
A gravata estava preparada,
Arranjada,
Estudada,
Hoje vais ser verde,
Verde da esperança que nos falta,
Verde da esperança que te prometem esta noite,
Mas que te roubam de dia,
Todos os dias,
Também neste dia,
Um dia que ia longo.

A gravata não veio sozinha,
Tinha um sujeito agarrado,
De fato imaculado…
Era um facto!

2011-12-21

Meu fado

O fado como eu o conheço,
É feito de palavras doridas,
Coisas amargas, sofridas,
Dores que vi e não esqueço.
A minha vida não tem preço,
Nunca a vendi a ninguém,
Nem mesmo a quem me quer bem.
Não tem rotulo nem etiqueta,
Não está num frasco ou saqueta,
Só dela estou refém

O fado é destino traçado,
Vida que é vida por ser,
O que se é antes de morrer.
Fado é futuro é passado,
É um amor destroçado,
É o caminho dos dias,
Companheiro das noites frias,
Retrato da minha tristeza,
Dúvida na minha certeza,
O livro que tu não lias.

Fado é o meu esquecimento,
E o que me falta esquecer.
Do que não vi mas vou ver,
Apenas aguardo o momento,
Pois o fado é espera é tormento,
É o choro de alguém sentido,
Soldado sem guerra, perdido.
Fado é sorte é esperança,
Uma memória, lembrança,
A alma de um convertido.

2011-12-09

Décimas para,

Um fado de (falsas) ilusões
Ou
Fado do mal agradecido
Ou
Fado da geração de “Alex”



Leva-me à boca a garrafa,
Deixa-me bebê-la de um trago,
Sonhar quer já fui jovem,
Sem me sentir estragado.

Ouvir desse novo som,
Sentir novamente a nascer,
A vontade de quem quer “viver”.
Pensar que sou bom,
Que não estou fora de tom.
O escritório que me agrafa,
Afogado num ar que me abafa.
As paredes que me cercam,
As portas que me fecham,
Leva-me à boca a garrafa.

Hoje estou longe de mim,
Estou onde não escolhi estar.
Poderia estar noutro lugar,
Mas como vês estou assim.
Estou à procura de um fim,
De um canto, um lugar vago.
De mergulhar neste lago.
De sentir uma mão.
Traz-me uma nova canção,
Deixa-me bebê-la de um trago.

Ouve-me deus meu, meu senhor,
Ouve o que te quero pedir,
Estou farto de fugir.
Sangra-me a alma, sinto dor,
Perdi o resto de amor.
Olho para o que lá vem,
Olho e sinto desdém.
Esta vida não me agrada,
Vou-me fazer à estrada,
Sonhar que já fui jovem.

Acordei e olhei à volta,
Olhei p’ró fundo, p’ró fim,
Olhei para dentro de mim,
Mesmo junto à minha porta.
Não vou pedir vida morta,
De boi manso, de mau gado
Do que deixei do outro lado.
Olhei p’ró que me falta viver,
Vivo a vida por querer,
Sem me sentir estragado.

2011-12-01

Décimas para um fado actual

Moderna morte a fadiga.
Falta-me trabalho e dinheiro,
Mas não me faltam promessas,
Para uma visita ao coveiro.

Destino turvo e curvado,
Tristes estradas e caminhos,
Todos juntos ou sozinhos.
Uns de frente outros de lado,
Um ou outro mais chegado.
Levo a mão que mendiga,
E a boca que mastiga
Por vergonha está cerrada.
Tenho uma vida cansada
Moderna morte a fadiga.

Agora que estou sem lei
Conto-te a história da vida,
Da minha por ser vivida,
Porque das outras não sei.
Por lá perto eu andei,
Tinta do mesmo tinteiro,
Cortiça do mesmo sobreiro.
Conto-te de mim onde estou.
Onde estive, para onde vou,
Falta-me trabalho e dinheiro.

Agora que tudo perdi,
Derrapagem sem sentido,
Sem direito a desmentido,
Olho em silêncio para ti.
Perdoa-me se não reagi,
No passado de onde regressas,
Nas minhas noites sem pressas,
Guardo em mim a tua imagem,
Margem da outra margem,
Mas não me faltam promessas

De todo o meu sentimento,
Estou mais farto do que velho,
Mais despido, mais vermelho,
Vítima deste momento,
Sou sacrilégio, sou tormento,
Sou um homem meio inteiro,
Cortaram-me pelo meio.
É a alma que se agarra,
Tristemente a uma guitarra,
Para uma visita ao coveiro