2012-02-03

Biblioteca

A biblioteca da Amadora esteve em tempos sediada na rua da “Nau”. A poucos metros da minha casa assediava-me sempre que me dirigia para aquela cervejaria. Com a sua grande montra virada para a rua deixava os seus frequentadores em posição inferior provocando nos transeuntes a sensação de verem estranhos seres subterrâneos debruçados sobre mesas. Não tenho a certeza mas penso que terá sido essa a razão que me fez lá entrar pela primeira vez. Do lado de dentro as pessoas cá fora eram só pés e pernas. Para que tal não acontecesse era necessário levantar a cabeça e nesse gesto pouco usual procurar nas alturas as feições de quem passava. Sim, eu passei algumas horas lá dentro. Sim, era um acto individual provocado por necessidades estranhas de silêncio acompanhado.

Actualmente, quando quero saber do meu pai e tenho o telemóvel sem bateria vou procurá-lo na biblioteca de Santo André. Penso que ele sente essa mesma necessidade. Nunca discutimos o assunto mas percebe-se o conforto silencioso da biblioteca. Muitas vezes chego e dou-lhe um beijo, também ele silencioso e deixo-me ficar a seu lado vendo-o transcrever palavras de um velho manual de Inglês. Nunca procurei a biblioteca de Santo André por vontade própria, talvez porque encontre no sossego de minha casa a paz para ler e escrever.

Mas a vida prega-nos partidas…Hoje levei a Deolinda ao médico a Santiago do Cacém. Santiago do Cacém também tem uma biblioteca e esta fica precisamente em frente da clínica onde eu ia deixar a Deolinda. Levava debaixo do braço um caderno, uma caneta e o jornal. Dentro do bolso o meu inseparável MP4. Escrevi algumas folhas e cansado de escrever fui procurar um livro. Fixei-me num pequeno livro já usado e sem apelos gráficos desmedidos. O livro “O Spleen de Paris” continha pequenos poemas em prosa de Charles Baudelaire.

Poderia falar do imenso prazer que me deu ler estas prosas poéticas, do facto de as ter lido a ouvir Keith Jarrett, “The Koln Concert”, de estar junto a uma janela virado para o castelo de Santiago, do calor do sol, ampliado pelas vidraças, me ter feito esquecer as notícias do frio. Sim poderia falar disso tudo…
Ficou-me este excerto do VII poema/prosa “ O Louco e a Vénus”:

Que dia admirável! O vasto parque sob os olhares flamejantes do Sol, tal como a juventude sob o domínio do amor.
O êxtase universal das coisas não se exprime por nenhum ruído; as próprias águas estão como adormecidas. Bem diferente das festas humanas, a orgia aqui é silenciosa.


Bom fim de semana!