2011-08-23

Hoje pressionaram-me imenso! Começaram de manhã. Pressões de vogal, a primeira da lengalenga, o “a”, maiúsculo ou minúsculo, pouco interessa.
Sou um teclado, um teclado comum, de plástico, letras pretas em fundo branco, letras que são símbolos e símbolos que não são letras, emblemas de outras literaturas.
Sou pressionado de manhã e de tarde, tenho um horário fixo. Teoricamente isso corresponderia à verdade. Quem me pressiona tem também um horário fixo. Fixo no contrato assinado em que se assentou a presença quotidiana. A presença que existe independente da pressão contratualizada.
Quando sou bem pressionado a imagem flui no ecrã. Independentemente do tamanho ou qualidade os ecrãs serão sempre o espelho da minha pressão. Não que eu tenha experiência no assunto, ainda hoje sou fiel ao meu primeiro reflexo.
Mas hoje abusaram, palavras cheias de letras massacradas, titubeantes. O contrato que se cumpre. São oito são oito! São sete são sete!
Não há tempo a perder, arrumam-se as letras em sinais eléctricos, que sem electrões nada disto se faz, por enquanto…
Tenho duas teclas gastas e a funcionar mal. Sujidade? Humidade? Ou apenas a erosão do que não é estável. Quantos óxidos escondidos? Quem sabe algum pequeno insecto que se tenha habituado à rotina. Ele entra! Eu saio!
Estou cansado. Não é só a pressão, também é quem a exerce. Não me sinto motivado para fingir letras em impulsos electrónicos, jogos de pressões e contactos, acordos, o eu hoje que amanhã serás tu.
Estou cansado, não são só os dedos que me martelam. É o martelar sem sentido. O provocar de reflexos inconsequentes. Para quê tanto esforço? Hoje é até às cinco! Até às seis! Hoje eu faço horas! Prolongo o meu esforço como consequência da mecânica dos teus dedos, extremidades insaciáveis. Eu sou piano! Ouve o meu silêncio, o gentil ruído da percussão sem corda nem ressonância, o gemido da tua aflição.
Está escuro e a sala está quente. O ar condicionado também tem horário. Tento-me lembrar das palavras que escrevi. Falta-me o pensamento, o raciocínio de quem as juntou. Nunca tive jeito para papagaio.

Eu sou povo! Sou dois digítos de desempregados! Sou o que apanha e que esqueçe!
Sou teclado, povo pressionado, que escreve sem entender, sou aquele que ainda acredita, mas que diz que não acredita, por vergonha, com medo que deixem de escrever.

Assim hoje, como Cecil Taylor, improvisando só para me libertar.

P.S. Perdoe-me o Cecil Taylor que é de longe muito melhor músico que eu escrevinhador. No entanto foi ele que me inspirou.

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