2024-10-03
A Eternidade
2024-07-08
Argumento de “Uma, muito pequena, curta-metragem”
Esta noite fui cedo para a cama.
Poderá esta frase resumir o espírito de uma Nação?
Não!
A Nação não foi cedo para a cama!
A Nação acredita no milagre fatalista!
A nação desconhece o futuro que lhe preparam!
A passagem de ano revela-se como mais uma noite de copos.
A passagem de ano revela-se comemorativa,
Como se algo houvesse para comemorar…
Para quem tem fome, a fome perdurará!
Para quem não a tiver, a ausência será constante!
Depois da fome o próximo passo será a guerra!
II
Não sonho esperanças vãs,
Não anseio promessas falsas.
Os começos já os conheço,
Episódios que ciclicamente me repetem.
As luzes da minha rua estão gastas,
Pequenas estrelas humanas,
De duração programada.
É esse o caminho que me leva ao quarto.
As sombras do que lá existe,
Dizem pouco ou pouco têm para dizer.
Afinal de contas,
As sombras não falam,
Balbuciassem elas as palavras necessárias,
E contariam histórias.
Porque é de histórias que eu falo,
Porque de histórias são feitos os meus sonhos.
III
Sou normal,
A corrente eléctrica chega a minha casa por fios,
A minha secretária é de madeira,
De madeira é a lenha que queimo na minha lareira.
E eu que sou normal,
Não me sinto assim.
Olho para o fogo,
E lembro-me do fogo,
Das palavras poéticas,
E do terror da torrefacção.
Dos finais que todos os dias o são,
Dos começos que os acompanham.
Sou normal na minha maneira de o ser,
Sinto que sou o que sou.
Senta-te e escreve a verdade que te ensinam…
…Segue leve….
IV
Escrevo,
E ao escrever ouço-me.
Penso em mim como uma voz,
Um reflexo do que vi,
Do que vejo.
Sou um pedaço orgânico,
Pedaço entre pedaços,
Reflexo orgânico de desejos,
Que não sendo meus também o são,
Reflexo de frustrações,
Que não sendo minhas,
São as minhas confissões.
Reconheço-me enquanto escrevo,
E não preciso sofrer,
Para ver que o que escrevo,
É o colectivo a morrer.
V
Finge-te,
Homem ou coisa,
Algum lugar ou nenhures,
Finge-te a seco.
Não te escondas do que finges.
Finge-te mas não te enganes.
Não te escondas em substâncias.
Abre a janela do quarto,
Não tenhas medo do frio,
Da solidão ou vazio.
Homem que é Homem é isso,
Essa coisa complicada,
Que chora por não ser nada,
Quando é tudo o que precisa.
Finge-te parvo ou incerto,
Mas não finjas que não sentes,
Nem desprezes quem está perto.
2024-03-21
Porque hoje é dia de poesia...
Tropeço em imagens de morte
Estou sentado na
minha sala de estar.
A televisão está ligada
em sintonia com a desgraça.
Uma mulher
desapareceu sem deixar rasto.
Um homem morreu após
um grave acidente.
Tudo num formato
decente,
Largado de forma
inocente
Num tom de branda
ameaça.
Alguns milhares de
crianças ensombram o Natal
Morrendo debaixo de
fogo inimigo.
Qual terá sido o
pecado para merecer tal castigo?
O homem de fato
aprumado
Passa o assunto à
mulher que,
Com aspeto asséptico,
Continua com as
mortes do dia.
Será o mesmo se eu
ligar a telefonia?
Procuro outro canal,
Uma outra informação,
Uma calamidade
meteorológica
Que me faça sentir
culpado
Da forma negligente
como consumo.
Dedilho o jornal
digital
Num artefacto chinês.
A maçã que traz no
rosto
Não denuncia quem o
fez
Mas os mortos são idênticos
E os rostos que os
nomeiam
contam sempre a mesma
história.
São crónicas de
cruzes e estrelas,
Quartos de lua
sumidos.
São deveres assumidos
Pelos pais de nobres
nações.
É o direto de matar
porque sim
É o direito de morrer
porque não.
Afinal quem tem
razão?
É sempre quem tem a
arma na mão.
Tropeço nas
trincheiras da guerra
No século de todas as
esperanças.
Marte lá longe à
nossa espera
E todo esse
conhecimento que recebemos.
Dados incalculáveis
Computáveis,
E, no entanto,
Tão vulneráveis.
Estou sentado no meu
sofá,
junto à árvore de Natal
E tropeço nos mortos
que enchem o meu ecrã.
Não sei quantas
polegadas de horrores
Que, de tão
distantes,
Reconfortam do frio.
A sala fica mais
quente,
Tudo pior do que
dantes,
Mas a alma mais
dormente
E o meu corpo mais
ausente.
Agora um tiroteio num
restaurante,
Uma facada junto ao
rio,
Um atropelamento
casual
De um velho
navegante.
Uma criança abusada,
Um bebé desmembrado
Por um pai atarefado
Que só a queria
calada.
Tudo muito composto,
Tudo muito bem
arrumado,
Durante hora de
jantar.
O famoso horário
nobre.
A morte servida entre
quinze minutos de vendas.
Vem cá que eu não te
aleijo meu bombom de chocolate.
Com uma corda ao
pescoço davas um enfeite de Natal,
Amarrado pela
cintura, um arranjo floral.
Tudo tão simples.
Os mortos lá longe e eu
quentinho na cama.
Com um novo pijama e
Uma lareira
ecológica.
Como desafiar esta
lógica?
Tudo tão comedido
Tudo sempre no mesmo
sentido.
Seis décadas que só
me fazem tropeçar
Em imagens de morte.
E o homem fardado a
dizer
Que não irá parar
Que enquanto alguém
respirar
Enquanto houver
alguém para morrer
A bomba irá explodir,
A granada irá
detonar,
Haverá metralha no ar
E razões para sorrir.
E o Natal que virá
Será apenas mais um
Para fazer acreditar
Que na mesa comum
Uns comem até fartar
E outros fazem jejum.