2013-07-19

As Férias e a Leitura

Sinto-me cansado, olhos doridos de longas horas, debruçados em ecrãs, papéis que requerem atenção, números que de tanto se apresentarem chegam a não ser reconhecidos; e eu prometo-lhes descanso, poucos jornais, mingua de televisão, telemóvel em modo de emergência, prometo-lhes sol, água salgada, vistas despreocupadas, prometo-lhes o que não posso cumprir. Assim que chega a altura de partir, fazer as malas, escolher camisolas e roupas informais (não faria sentido levar a bata ou o fato-macaco) a minha preocupação é centralizada, que livros levar para ler? Todos os anos recupero os hábitos de leitura nas férias; todos os anos eu sei que esses hábitos irão perdurar durante alguns meses de esforço metódico em que a disciplina tenta sobrepor-se ao cansaço de olhos martirizados por esforços tardios em horas pouco recomendáveis. Enquanto escolho a literatura adequada para um repouso, que inclui também a minha sanidade mental, recordo-me de todos aqueles livros que prometi ler ou que comecei e não consegui acabar e invariavelmente opto por não os levar. Este ano não foi excepção. A escolha foi aleatória e recaiu numa sugestão da revista Ípsilon suplemento do Público que costumo ler para manter contacto com tendências culturais, sejam elas livros, CD´s, filmes ou qualquer outra actividade que eu possa aproveitar. “Lionel Asbo” é um livro corrosivo de um humor que tanto faz chorar como rir (o seu autor é Martin Amis). Sendo o autor Inglês era isso que se esperava do humor. Ri-me do óbvio e estava escrito e do que ele me fez pensar sendo certo que até de mim me ri apanhado nas armadilhas do autor. Ri-me da minha excitação em saber se o miúdo de quinze anos que confessa no começo do livro numa carta dirigida a uma conselheira sentimental/sexual de um tablóide Inglês   “Querida Jennavieve, ando a ter um caso com uma mulher mais velha. Ela é uma senhora de alguma sofisticação e constitui uma refrescante mudança em relação às adolescentes que eu conheço (como a Alektra por exemplo, ou a Chanel). O sexo é fantástico, e penso que estou apaixonado. Mas há uma complicação muito séria e é esta: ela é a minha Avó!” é apanhado pelo tio que cuida dele (Lionel Asbo), rufia de subúrbio, para quem a mãe precisa de protecção pelos seus excessos sexuais e que não teve problemas em fazer desaparecer (vendeu-o  ou matou-o? Tanto faz)um colega de escola do seu sobrinho quando descobriu que também ele lá ia a casa. A história do livro desenrola-se tendo sempre como questão subliminar a traição do sobrinho ao tio o que nos faz pensar sobre as moralidades suburbanas. Poderia dizer que o tio tem pouco mais de vinte anos e a avozinha  quarenta e cinco, que Lionel está quase sempre preso como “revendedor” de material roubado ou devido a inúmeras cenas de pancadaria que ele leva como estimulo de vida (uma espécie de ida ao psicólogo), que tem mais seis irmãos, a falecida mãe de Des (o seu sobrinho protegido) e cinco irmãos (com os nomes dos Beatles, incluindo o que não se tornou famoso), que ganhou a lotaria no valor de cento e quarenta milhões de libras o que faz rodar a nossa atenção para sociedade  inglesa materialista e de valores duvidosos. Enfim o livro é uma delícia. Acabei-o de um trago e entreguei-me à tarefa sempre difícil de ler Lobo Antunes, “Sôbolos rios que vão”, livro comprado antes de abalar num ímpeto compulsivo perante um autor velho conhecido e que me faz as vezes de uma ida ao psicólogo (ele há-de perdoar-me pois sou um leitor assiduo de muitas das suas obras)  . Sabia ao que ia e precisava deste tratamento para me confirmar curado. Foi também sobre um rio que a minha mãe abalou, também de cancro no cólon. Mudam as memórias, delicias narrativas que nos fazem reviver toda a vida de um homem nos seus últimos dias, sangue encharcado em morfina querendo sentir dor para se sentir vivo, de olhos postos no “pingo no sapato” médico que lhe prescrevia a medicação, a dose de anestesiante, o caudal de soro, as ordens para os enfermeiros. O livro dura de 21 de Março a 4 de Abril e eu sei que é verdade, que as pessoas se  apagam num fósforo, eu sei que sim. Ainda deu para começar a reler “Os Maias” do Eça, os tão odiados “Maias” da minha juventude escolar que descubro agora com outros olhos através de uma edição especial e comemorativa do semanário Expresso. Comemorativa do semanário (faz quarenta anos) e da primeira edição da obra (125 anos). Deixo-vos com este pequeno excerto, quem sabe a propósito de tão dúbias e poderosas alianças ultramarinas (ainda à pouco nos mandaram fechar fronteiras a um presidente): “Era como uma tela marinha, encaixilhada em cantarias brancas, suspensa em céu azul em face do terraço, mostrando, nas variedades infinitas de cor e luz, os episódios fugitivos duma pacata via de rio: às vezes uma vela de barco da Trafaria fugindo airosamente à bolina: outras vezes uma galera toda em pano, entrando num favor de aragem, vagarosa, no vermelho da tarde; ou então a melancolia de um grande paquete, descendo, fechado e preparado para a vaga, entrevisto um momento, desaparecendo logo, como já devorado pelo mar incerto; ou ainda durante os dias, no pó de oiro das sestas silenciosas, o vulto negro de um couraçado inglês…”.
Que o fim das férias não me traga o fim da leitura pois esta faz-me tão bem…

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