Procuro sem perceber que procuro, um lugar calmo, um lugar
onde não ocupe espaço, onde a minha camisola velha e os meus ténis não sejam
motivo de descrédito. Todo eu sou motivo de descrédito, tão só, tão infelizmente
pobre, uma pobreza de origem suburbana, as calças de ganga rasgadas, as unhas
que se desfazem no contacto com os objectos, os olhos inchados num inchaço
permanente, como se a pele que circunda as orbitas não resistisse ao que elas
contêm. Escrevo sem ver o que escrevo, esqueci-me dos óculos e a caneta procura
os pequenos recortes brancos de papel com uma familiaridade atroz conhecida.
Não consigo rever as palavras que lá ficaram. Penso que mais tarde poderei transcrevê-las,
o corretor que faça o seu serviço mórbido de correcção mecânica e digital,
informática de informação como se a informação fosse necessária. A Ilha
percorre-se da Capital até ao Caniçal de forma intermitente, espaço, túnel, espaço,
túnel, espaço, túnel, espaço, túnel, vira à direita, abre-se a cancela, bom
dia, bom dia, fecha-se a cancela, descida abrupta até ao sopé dos depósitos que
me são familiares, tão parecidos dos que são, independentemente do lugar
geográfico, tão numericamente identificados, ferrugem que também aqui sabe a
mar. A estrada que me trouxe, toda ela via rápida serpenteando na costa, com
medo do sol passa por debaixo da pista, a pista que separa a terra do mar e une
a Ilha ao Mundo. E eu que não me enquadro, que me desculpo constantemente,
estou aqui em trabalho, eu não pertenço aqui, não tenho idade para a roupa nem
roupa para a idade, por isso estou tão nu, você assim é melhor não ir lá, lá
vão-lhe ao buraco, até aos trinta euros ainda lá vou, não, aquilo é para
turistas, lá prós setenta, você está cá para trabalhar, não quer gastar muito,
vá ao “JAQUET”, alcunha do vinho da Ilha, o da Madeira, não, o da Ilha, vinho
da época. Já estou sentado, são quase dez horas e as palavras saem só por sair,
nem sei porque comecei, ou sei e não quero saber, não quero olhar à volta e
saber que estou sozinho. Nunca gostei de estar sozinho em público, estar sozinho
é algo meu, por isso escrevo em público e pareço o que não sou gatafunhando
pequenos quadrados de papel que numero para terem lógica. Pedi dourada, grelhada,
sim grelhada, estou junto do mar e quero peixe, como se só assim houvesse justificação
e eu não tenho justificação, apenas quero comer e as palavras saem ao som do
espanhol da mesa do fundo, da moça que pede uma “seven up” para falsificar o
vinho tinto de 15 euros, turistas, sim porque ao turista tudo se permite, a mim
não, estás a trabalhar, já te esqueceste, não, não me esqueci, eles talvez.
Fico para o fim e estou nervoso, quero fazer uma chamada e não tenho telemóvel,
quero falar com a minha filha. A dourada chegou, maravilhosa, com molho de alho
em vinho, sim o da madeira, o molho levemente picante, o peixe tão cheio de frescura
desprende-se da espinha. Já não me apetece escrever…Até logo!
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