2017-11-25

Carta para ninguèm

Escrevo-te como se de uma carta se tratasse. Posso tratar-te por tu porque não te conheço, posso revelar-me porque nunca me dirás que me compreendes.
Lembras-te da última vez que cruzamos textos; eu escrevia e tu lias, tal como hoje o teu silêncio era meu companheiro e ajudava-me a passar o tempo. Passaram alguns anos e o sabor que trago nos dedos já não deixa impressões. Confesso que tenho saudades tuas, confesso que tenho saudades minhas. Na verdade já há algum tempo que não me vejo. Os anos passam e tudo o que eu deixei por fazer continua exatamente por fazer. Partiram mais alguns e o meu pai entrou num lar. Confessou-me a sua impotência e chorou e eu abracei-o sem o olhar, com medo que as suas lagrimas se juntassem às minhas e se transformassem num mar impossível de navegar. Já passaram quase dois anos e eu sei que não voltei a ser o mesmo. Nunca se volta ser o mesmo. Fiz cinquenta anos e não te disse nada, também não comemorei. Nesse dia chorava-se a morte de um primo, 36 anos de álcool e 48horas de hospital bastaram-lhe para a despedida. No dia que fiz cinquenta anos fui a dois funerais. Na altura não te disse porque não havia nada para dizer. As parcas palavras transformaram-se em gestos para consolar quem me era próximo.
Continuo destemido de garrafa na mão e troquei o álcool escocês pelo medronho caseiro e pelo tinto de 14 e meio. Enquanto o fígado resistir e não inventarem uma hepatite d por cá ficarei mais alguns anos. Espero que te encontres de boa saúde quando leres estas linhas. Dá cumprimentos meus a quem tu muito bem entenderes e se porventura, ou outra qualquer razão, te ajoelhares para rezar não te esqueças de interceder por mim que eu farei o mesmo por ti.
Não te quero incomodar mais.

Abraço grande e até qualquer linha.

24 de Novembro de 2017

P. Guerreiro

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