Escrevo-te como se
de uma carta se tratasse. Posso tratar-te por tu porque não te conheço, posso
revelar-me porque nunca me dirás que me compreendes.
Lembras-te da
última vez que cruzamos textos; eu escrevia e tu lias, tal como hoje o teu
silêncio era meu companheiro e ajudava-me a passar o tempo. Passaram alguns
anos e o sabor que trago nos dedos já não deixa impressões. Confesso que tenho
saudades tuas, confesso que tenho saudades minhas. Na verdade já há algum tempo
que não me vejo. Os anos passam e tudo o que eu deixei por fazer continua exatamente
por fazer. Partiram mais alguns e o meu pai entrou num lar. Confessou-me a sua
impotência e chorou e eu abracei-o sem o olhar, com medo que as suas lagrimas
se juntassem às minhas e se transformassem num mar impossível de navegar. Já
passaram quase dois anos e eu sei que não voltei a ser o mesmo. Nunca se volta
ser o mesmo. Fiz cinquenta anos e não te disse nada, também não comemorei.
Nesse dia chorava-se a morte de um primo, 36 anos de álcool e 48horas de
hospital bastaram-lhe para a despedida. No dia que fiz cinquenta anos fui a
dois funerais. Na altura não te disse porque não havia nada para dizer. As
parcas palavras transformaram-se em gestos para consolar quem me era próximo.
Continuo destemido
de garrafa na mão e troquei o álcool escocês pelo medronho caseiro e pelo tinto
de 14 e meio. Enquanto o fígado resistir e não inventarem uma hepatite d por cá
ficarei mais alguns anos. Espero que te encontres de boa saúde quando leres
estas linhas. Dá cumprimentos meus a quem tu muito bem entenderes e se
porventura, ou outra qualquer razão, te ajoelhares para rezar não te esqueças
de interceder por mim que eu farei o mesmo por ti.
Não te quero
incomodar mais.
Abraço grande e até
qualquer linha.
24 de Novembro de 2017
P. Guerreiro
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