2023-08-12

Morte assistida, suicídio, ou sofrimento em nome de um ideal de moralidade

 Não, hoje não consegui consulta e contento-me com a simulação digital numa folha de papel. Porquê o tema? Bem, desde outubro do ano passado que este é um tema recorrente, ELA assim obriga. Algo foi aprovado na assembleia da republica sobre o assunto e muitas das questões que se colocaram estão relacionadas com a ética e a moralidade. Muito se falou dos médicos e dos profissionais de saúde a quem competiria executar o acto clínico, da constituição e do direito à vida, da religião, que sem direito de veto, continua a exercer pressões para lá do que seria admissível num estado laico, e dos partidos políticos, alguns dos quais pretenderiam referendar o assunto. 

Um dos argumentos utilizados, para além dos conceitos morais e ideológicos e atenção, espantem-se caros leitores, temos o comunismo, a igreja católica e um partido, apelidado de extrema direita pela imprensa da especialidade, comungando de igual condenação, muito embora por razões aparentemente diversas, dizia eu que um dos argumentos utilizados contém em si uma racionalidade perversa, a de que o estado deve providenciar todas as condições às famílias, aos cuidadores informais, às instituições que se dedicam ao árduo trabalho de manter vivas pessoas que já não se mexem e que muitas vezes só existem para satisfazer o egoísmo de familiares pouco interessados em saber a sua opinião. 

Ser prisioneiro de um corpo não é para todos. Há quem goste, quem deteste, quem se habitue, quem não suporte, quem nunca mais se consiga identificar com alguma coisa, por outras palavras, há gostos para tudo, mas, acima de tudo, há muito sofrimento.

Ser um fardo, quer seja assumido ou não por quem nos carrega, é algo que alguns de nós não conseguimos esquecer. Para essas pessoas a morte assistida  ou o sofrimento em nome de um ideal de moralidade, não são opções válidas. Para essas pessoas a espera caridosa por direitos escritos e não cumpridos não é solução. Ái que boas as intenções dos nossos governantes, nem por aqui vou, caminho obtuso, relatar a ansiedade de quem precisa, pede e lhe pedem para esperar, mesmo quando não há tempo e a solução passa pelo investimento particular (imagino o sofrimento de quem não tem).

Ser um fardo é ser pedinte. Precisar e ter medo de incomodar...desculpe eu ser assim, não tive culpa, aconteceu...

Numa fase terminal, tendo admitido que morte assistida é imoral, que o suicídio é pecado ou que não não se está preparado para partir, resta um corpo imóvel agarrado a uma cadeira e uma mente que se mantém activa sem nada para comandar. E chegado a este ponto meus amigos, nem todos sofrerão da mesma maneira, nem todos verão recompensada a sua lealdade para com o principio sagrado da vida.

Mas uma coisa é certa, assistida ou não, ela acabará por chegar e, em última análise, enquanto houver ação a decisão será sempre pessoal, seja ela difícil ou não.

Alerto para o facto de este texto conter em si uma reflexão filosófica sobre o assunto. Talvez o que o distinga de muitas outras considerações seja a legitimidade com que ele é escrito e à qual não admito contestação.

Nota: Este texto tem como referências a aprovação de uma lei, as palavras do Papa, a hipocrisia partidária e, na prática, os que discutem sem serem, verdadeiramente, a parte interessada. Esta história de que conheço pessoas, ou que tenho familiares próximos, ou qualquer outra coisa parecida, não conta. Por muito que doa estar perto não é estar dentro.


Sem comentários: