2006-12-16

Urbe II

Olhou-o com desprezo, incomodado com o apelo incógnito. Deixou-se cair no sofá procurando abstrair-se, pausa, toque, pausa, toque, pausa, toque, merda, nunca mais se cala. Estava quase a desistir quando o outro se rendeu. Agradeceu o silêncio e fechou os olhos, adormeceu sem dar por isso. Já era noite quando acordou, o corpo entorpecido, os músculos com cãibras, o estômago faminto, a boca seca e um arrepio que lhe fez pensar na morte. Não foi desta que me levou. Deixou que os olhos se habituassem à penumbra, apenas cortada pelos reflexos néon que vinham de fora pela janela da sala, intrusos luminosos lembrando que do outro lado ainda existia vida. Os objectos ganhavam dimensões e ele foi-os observando com dormência. Procurou pelo comando da televisão afagando o espaço vazio ao seu lado. Sentiu-o na mão, familiar, botões conhecidos dos seus dedos. O ecrã iluminou-se com um estalido seco e retirou de imediato o som. Desfilou canais e imagens numa cadência que parecia programada, para a frente, depois para trás e novamente para a frente. Largou o comando saturado de tanta inércia e dirigiu-se para a cozinha. Estava arrumada, tudo parecia em ordem e isso espantou-o por momentos até reparar num bilhete em cima da mesa. A mulher que lhe fazia a limpeza da casa tinha estado lá e recordava-lhe o número de horas de trabalho que ele tinha de pagar. Abriu o frigorífico e descobriu desalentado que não fora ao supermercado. Restavam-lhe duas fatias de queijo, alguns iogurtes, meio pacote de manteiga e seis cervejas de lata. Tirou o queijo e uma cerveja, na caixa do pão três fatias com mau aspecto seriam o revestimento de uma refeição improvisada. Não chegou a sentar-se e a segunda cerveja acompanhou-o à sala. Tirou o casaco mas sentiu frio e foi buscar uma manta. Deitou-se no sofá e cobriu-se com ela. Assim ficou até o telefone tocar outra vez. Olhou para o relógio de pulso, duas da manhã, quem seria a esta hora? Levantou-se com esforço e pegou no aparelho, “Está? Quem fala?”, “Estou a falar com o sr. Osvaldo Garcia?”, “Sim é o próprio!”, a voz feminina era de uma mulher madura, educada, que pausava as palavras e as proferia de um modo correcto, como a sua professora de português no primeiro ano do liceu por quem teve uma paixão avassaladora, adorava a sua voz. “Eu sei que você não me conhece, mas tenho um assunto para tratar consigo que decerto o vai interessar.”, “Sim…”, “Seria possível encontrarmo-nos amanhã à hora de almoço? Suponho que tenha hora de almoço na agência bancária?”, “Como é que sabe onde trabalho?”, “Da mesma maneira que sei outras coisas sobre si. Encontre-se comigo e verá que não se arrepende.”, “E onde será esse encontro?”, “Decida você!”, “Eu costumo almoçar num café ao fundo da rua…”, “Pode ser! Estarei lá à uma em ponto. Não falte, ficaria bastante desiludida.”, “Esteja descansada que lá estarei…”. A chamada acabou tão repentinamente como tinha começado. Ela pode ter ficado descansada, o mesmo não se passou com ele. Porque raio aceitou encontrar-se com aquela mulher, uma desconhecida. Experimentou várias sensações, teria sido o sono, o cansaço ou simples curiosidade? Agora não interessava, a decisão estava do seu lado, pelo menos assim o pensava, esquecido que estava do facto daquela mulher saber tanto sobre ele e poder controlar os seus movimentos. Procurou distrair-se lendo um livro sobre religiões. Quedou-se sobre a vida do profeta Maomé, Maomé, filho de Abd-Alá, nasceu em Meca no ano de 570. Fazia parte dos Haqmitas, ramo dos Coraixitas. A sua família parece que não foi das mais importantes da cidade. Sua mãe, Amina, Já viúva quando ele nasceu, vivia em condições bastante precárias. Conheciam muito pouco dos seus primeiros anos, visto que a lenda, encarregando-se aqui, como em toda a parte, de preencher lacunas da história, bordou numerosas narrativas sobre o tema da infância do Profeta, de sabor mais ou menos poético. O que entretanto parece estabelecido é que a criança foi entregue a uma ama beduína, de seu nome Halima. Era costume dos ricos mercadores de Meca confiarem os filhos, nos seus primeiros anos, a árabes do deserto. Embora com poucos recursos a família de Maomé não quebrou a tradição.
Pouco depois sua mãe morreu; durante algum tempo o pequeno órfão viveu junto de seu avô, já octogenário; depois foi recolhido pelo seu tio Abu-Talib. Este último, segundo parece, não devia ser rico, porque se conta que Maomé precisou de tomar a profissão, pouco considerada, de pastor, tendo um modesto lugar no pessoal menor das caravanas de comércio.
Também ele era órfão desde tenra idade. Adormeceu imaginando-se no deserto, pastor como o profeta.

(cont.)

6 comentários:

pb disse...

ok, deixaste-me curioso sobre a proposta da misteriosa Senhora, ficamos a aguardar a parte III. Um abraço

Titá disse...

Só para deixar um Beijo enorme de saudades.
vejo que tens escrito bastante e bem...fiquei curiosa...conta o resto
Um beijo e aquele nosso abraço

Titá disse...

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..********,,,Feliz Natal,,,********
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pb disse...

Primo, retornei a este post para te deixar um abraço de boas festas e que os desejos de que 2007 seja melhor em todos os aspectos para ti e tambem para todos nós

naturalissima disse...

Vim desejar-te BOAS FESTAS!
E que o próximo ano, continues a nos oferecer belas histórias.

Daniela

Titá disse...

Que o Novo Ano vos traga ...
cor, calor, alegria, magia, energia, felicidade, simpatia, paz, saúde, amizade, amor, sentimentos, emoções, agitações, lágrimas e canções...tostões
Que cada dia de 2007 vos faça ...
sentir, sorrir, sonhar, imaginar , acreditar e Viver com toda a intensidade que merecem.
Aprendam, sintam, reagam, lutem pelo melhor,acreditem!
Que seja um Ano de...
paz, tolerância, compreensão, conforto, justiça e Amor
Que estes números mágicos... 2007 nos unam cada vez mais e intensifiquem a amizade que nos une e a cumplicidade que nos caracteriza. Sejam felizes e façam felizes alguém... todos os dias e por favor, cheguem ao fim do ano e digam: Caramba, Valeu a pena!!!!
Desejo-vos o melhor ano de sempre, durante o qual alcancem os vossos melhores e mais secretos sonhos e que realizem e concretizem os melhores objectivos.
Beijinhos
BOM ANO!!!!!!!