2007-02-18

Esperas (Da nossa vida que é um somatório de esperas)

Uma de tantas…

Saio de casa tarde. O relógio avisa-me do atraso, ou do mundo lá fora a girar…E eu parado, ou quase…Tentando chegar...
Primeiro a estação, o passe comprado no início do mês, o comboio que parte…Não o vejo mas sei que parte, ruído de partida…
Quando chego ao cais este encontra-se vazio. Vislumbro a silhueta que se afasta…Metal contra metal e a electricidade que o faz mover…Espero…Vou ficar à espera e estou atrasado.
Está frio mas eu não o sinto. Sei que está frio porque o ar que me sai da boca vem condensado, gasto, usado em mim e por mim…E espero…Lá longe adivinho o som metálico dos carris percorridos…Vejo-os inertes, inúteis, esquerda, direita, vazios…
O relógio de pulso diz-me, “Estás atrasado”, respondo-lhe, “Sim, eu sei.”.
Chegam pessoas ao cais. Escolhem posições e ficam à espera…Como eu!...Eu não!
Eu vou-me embora!


Outra, noutro lugar

O parque está cheio. Tenho dificuldade em encontrar um lugar, misto de sorte, paciência, sorte, olhos abertos…Eu não fechei os olhos e aproveito rápido uma saída repentina, sou mais rápido a sacar. Por detrás do vidro percebo as palavras maldosas, “…Filho da puta…”, “…Paneleiro da merda…”, “Cabrão do caralho…”, minutos atrás eu era apenas o Paulo…
Tenho as rodas paradas, o chassi em descanso, a carroçaria promete-me protecção.
Tenho uma moeda na mão, da moeda um carrinho…E o caminho das prateleiras…Tudo o que preciso está etiquetado…O carrinho enche-se e fica pronto a ser levado…Eu levo-o…Ele deixa-se levar…
Estou parado à espera. À minha frente esperam vários carrinhos…Atrás outros carrinhos…Espero mais um pouco…
…Carrinhos com dono!
O meu?...Abandonado.
Eu estou lá fora…Adeus!


Uma lixada

Duas mulheres choram na sala. Na sala mais ninguém chora…Tudo espera. Não se vê o sorriso descontraído, o olhar perdido dos sonhos de encantar. As duas mulheres choram junto à enfermeira de serviço, esperam notícias…A enfermeira espera a hora de saída, a rendição do turno, o encontro com o filho pequeno que está com a avó…Eu espero que o choro acabe…Do lado de fora estou a ouvir…Por dentro o tempo parou, no destilado das horas o resíduo que sou eu…Desaparece…
O choro das mulheres parou e foi substituído por outro…De criança…Sofrido de angústia, de pânico…Eu espero…Tudo mudou menos eu…Hoje eu vou esperar…Tenho um nome para esta espera…


A última... As outras ficam por contar.

São dez horas da manhã e o homem aparece com um papel, uma lista, nomes de testemunhas, de arguidos, queixosos…Advogados?...Já não me lembro.
O empregado judicial vai marcando presenças. Eu espero pelo meu nome, pela minha vez de dizer presente, sim, sou eu…Mas antes não fosse…
Fico-me pelo, “Sim, sou eu.”, ou “Estou aqui”…Agora que penso melhor, não me lembro de ter respondido…
Os processos são muitos, muita gente, muitos minutos, infinitos minutos. Equívocos e desde logo algumas discussões, a tensão de quem se confronta, circo romano com regras definidas em leis que poucos conhecem…Desengane-se o senso comum…Também ele um engano…
Espera-se em pé, nos corredores, ouvem-se as conversas de grupos próximos, viram-se costas aos rivais. O ar fica cheio, e eu cheio do ar e da espera.
Junto de mim dois guardas prisionais esperam comigo….

2 comentários:

Titá disse...

Hummm!!1 Genial

A vida é mesmo isso: uma lista de esperas e uma outra de partidas, de metas alcançadas num minuto, na hora H.

Um beijo.
Espero que esteja tudo bem
Tenho saudades...

pb disse...

histórias do quotidiano da vida de quasi todos nós, gostei de ler, primo, um abraço