Existe um lugar
Onde a terra não é firme
E o mar não sabe a mar
O Homem Novo diz o que sabe
O Velho ouve sem saber
Os pés longe da terra
Os olhos cegos sem ver
Neste lugar moderno
O dinheiro fez o Homem Novo
O Velho não sente o mar
Da janela do quarto, no lar.
Existe um lugar
Onde a terra não é firme
E o mar não sabe a mar
O Novo conduz o Velho
No papel está o contracto
A visita pelo Natal
Tudo o que é normal
Os olhos que vão cegar
A ti que acabas de chegar te aclamam
Qual será a doença
O motivo da presença
Existe um lugar
Onde a terra não é firme
E o mar não sabe a mar
Eu que sou velho, adivinho
A conversa que tiveram
Entre o Novo que é meu filho
E o lugar onde me meteram
Chega-te ao grupo
Vem devagar que tens tempo
Neste lugar sem firmeza
Onde tu não és certeza
Existe um lugar
Onde a terra não é firme
E o mar não sabe a mar
Não acredito em Deuses
Nem em paraísos distantes
Neste lugar onde estou
O Mundo já acabou
Sinto enorme o sossego
Não me consigo levantar
Deito os olhos ao céu
Pois o mar não sabe a mar.
6 comentários:
Comovente! Lindo!
Beijos e aquele abraço
Olá Paulo,
Se soubesses como este poema me toca.
Conheço bem esses lugares de que falas... passava lá as minhas tardes depois de vir da escola.
A minha mãe trabalhava num lar e eu gostava de passar o tempo a dar o que tinha para dar aqueles velhinhos.
Fui crescendo e continuei a lá ir.
A ajudar a organizar as festas e a fazer festas para eles e feitas por eles.
As histórias desse local davam um livro.
Tenho saudades de dar de mim a alguem tão sedento de carinho como lá encontrei tantos velhinhos.
No primeiro dia confesso causou-me alguma repulsa, a carência era tal que corriam para me abraçar, e muitos estavam sujos e babavam-se, mas o coração fala mais alto que a repulsa, em pouco tempo abraçava-os com a mesma ternura, apertava-os com a mesma força com que me abraçavam e apertavam a mim.
Tanto disparate disse, tanto cantei e dancei, tanto teatro fiz, tantas vezes me mascarei, aprendi da valsa ao foclore, fui rapaz, princesa, palhaço, Nossa Senhora , fui tudo o que pude para lhes ver um sorriso e vi muitos, muitos sorrisos...
O mundo está do avesso e já ninguem escuta o que o velho tem para contar.
O novo fala mais alto
manda
decide
e sem entender o velho faz e aceita
o que o novo tem para lhe dar
um lugar onde a terra não é firme e o mar não sabe a mar
estranha o velho
esta inesperada realidade
mas a morte vem ai
de que serve aqui estar
onde o mundo já acabou
morre o velho
de saudade
do carinho de um filho
morre o velho
de saudade
do mar a saber a mar
Morre o velho
de saudade
de um mundo onde tinha lugar
Adorei Paulo e comoveu-me muito, sabes era isso que eu sentia que ia fazer a esse lar, dar-lhes um pouco do filho ausente, lembar-lhes o sabor do mar, mostrar-lhes que no meu coração tinham um lugar.
E tinham.
Ainda tem.
Tenho saudades deles tambem.
Alongo-me sempre desculpa mas é mais forte que eu.
Gosto demais da tua escrita.
As tuas palavras tem um enorme poder sobre mim.
Até breve,
Isabel
Foi sentido o que escrevi...Senti que tinha de o dizer. Começam a faltar pessoas na minha vida...família...Não queria magoar...Apenas contar do meu medo...Não queria ser o Novo a levar o Velho...
Obrigado...Pelas vossas palavras...Por perceberem...
Como te compreendo primo, já poucas pessoas me restam tambem na minha vida, pessoas que passaram e deixaram memorias, sentimentos, saudades...um abraço
Meu caro,
Revisito este lugar despojado e a
poesia assalta-me com uma singeleza
de forma e uma grandeza de sentido que achei por bem saudá-lo. Apesar do sossego, alguém custa a levantar
-se -- «o mar não sabe a mar». O poder desta confirmação confirma a mistura do desalento e da lucidez.
Vou indo.
Deixo-lhe um abraço
Rocha de Sousa
Paulo vim ler-te novamente, e mais uma vez a sensibilidade que sempre vi em ti, encontrei-a no comentário que aqui deixas-te.
Sabes tambem tenho esse medo, estas vidas que temos hoje, esta falta de tempo permanente, este correr desenfreado, faz-mos ter medo de um dia não ter tempo para cuidar do velho e ter-mos de ser o novo a levar o velho.
Que quando for velha não tenha um novo a levar-me a mim...
Eu que não tenho filhos é mais provável que seja uma daquelas velhas chatas rezingonas, engraçadas mas cheias de força e que vá-se lá saber como lá se aguentam agarradas à vida e à bengala. Continuando a caminhar as ruas da vida e do bairro, a sorrir mostrando a dentadura, a pôr-me bonita, a ir ao cabeleireiro com o livro debaixo do braço e aproveitar para ler o que os meus olhos deixarem, a dar conversa ao mundo inteiro bebendo as suas histórias e ajudando como a vida nessa altura me deixar...
Mas se assim não for... que lá no sitio onde me deixarem me tratem os olhos para poder ler.
Se um dia tiveres de ser o novo a levar o velho tenho a certeza que as visitas não irão ser apenas pelo Natal e isso já é levar contigo um pouco do sabor a mar...
Isabel
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