2007-02-28

Existe um lugar

Existe um lugar
Onde a terra não é firme
E o mar não sabe a mar

O Homem Novo diz o que sabe
O Velho ouve sem saber
Os pés longe da terra
Os olhos cegos sem ver

Neste lugar moderno
O dinheiro fez o Homem Novo
O Velho não sente o mar
Da janela do quarto, no lar.

Existe um lugar
Onde a terra não é firme
E o mar não sabe a mar

O Novo conduz o Velho
No papel está o contracto
A visita pelo Natal
Tudo o que é normal

Os olhos que vão cegar
A ti que acabas de chegar te aclamam
Qual será a doença
O motivo da presença

Existe um lugar
Onde a terra não é firme
E o mar não sabe a mar

Eu que sou velho, adivinho
A conversa que tiveram
Entre o Novo que é meu filho
E o lugar onde me meteram

Chega-te ao grupo
Vem devagar que tens tempo
Neste lugar sem firmeza
Onde tu não és certeza

Existe um lugar
Onde a terra não é firme
E o mar não sabe a mar

Não acredito em Deuses
Nem em paraísos distantes
Neste lugar onde estou
O Mundo já acabou

Sinto enorme o sossego
Não me consigo levantar
Deito os olhos ao céu
Pois o mar não sabe a mar.

6 comentários:

Titá disse...

Comovente! Lindo!

Beijos e aquele abraço

Isabel disse...

Olá Paulo,

Se soubesses como este poema me toca.

Conheço bem esses lugares de que falas... passava lá as minhas tardes depois de vir da escola.
A minha mãe trabalhava num lar e eu gostava de passar o tempo a dar o que tinha para dar aqueles velhinhos.

Fui crescendo e continuei a lá ir.
A ajudar a organizar as festas e a fazer festas para eles e feitas por eles.

As histórias desse local davam um livro.

Tenho saudades de dar de mim a alguem tão sedento de carinho como lá encontrei tantos velhinhos.

No primeiro dia confesso causou-me alguma repulsa, a carência era tal que corriam para me abraçar, e muitos estavam sujos e babavam-se, mas o coração fala mais alto que a repulsa, em pouco tempo abraçava-os com a mesma ternura, apertava-os com a mesma força com que me abraçavam e apertavam a mim.

Tanto disparate disse, tanto cantei e dancei, tanto teatro fiz, tantas vezes me mascarei, aprendi da valsa ao foclore, fui rapaz, princesa, palhaço, Nossa Senhora , fui tudo o que pude para lhes ver um sorriso e vi muitos, muitos sorrisos...

O mundo está do avesso e já ninguem escuta o que o velho tem para contar.
O novo fala mais alto
manda
decide
e sem entender o velho faz e aceita
o que o novo tem para lhe dar
um lugar onde a terra não é firme e o mar não sabe a mar
estranha o velho
esta inesperada realidade
mas a morte vem ai
de que serve aqui estar
onde o mundo já acabou

morre o velho
de saudade
do carinho de um filho

morre o velho
de saudade
do mar a saber a mar

Morre o velho
de saudade
de um mundo onde tinha lugar

Adorei Paulo e comoveu-me muito, sabes era isso que eu sentia que ia fazer a esse lar, dar-lhes um pouco do filho ausente, lembar-lhes o sabor do mar, mostrar-lhes que no meu coração tinham um lugar.

E tinham.

Ainda tem.

Tenho saudades deles tambem.

Alongo-me sempre desculpa mas é mais forte que eu.

Gosto demais da tua escrita.

As tuas palavras tem um enorme poder sobre mim.

Até breve,

Isabel

P. Guerreiro disse...

Foi sentido o que escrevi...Senti que tinha de o dizer. Começam a faltar pessoas na minha vida...família...Não queria magoar...Apenas contar do meu medo...Não queria ser o Novo a levar o Velho...
Obrigado...Pelas vossas palavras...Por perceberem...

pb disse...

Como te compreendo primo, já poucas pessoas me restam tambem na minha vida, pessoas que passaram e deixaram memorias, sentimentos, saudades...um abraço

Rocha de Sousa disse...

Meu caro,
Revisito este lugar despojado e a
poesia assalta-me com uma singeleza
de forma e uma grandeza de sentido que achei por bem saudá-lo. Apesar do sossego, alguém custa a levantar
-se -- «o mar não sabe a mar». O poder desta confirmação confirma a mistura do desalento e da lucidez.
Vou indo.
Deixo-lhe um abraço
Rocha de Sousa

Isabel disse...

Paulo vim ler-te novamente, e mais uma vez a sensibilidade que sempre vi em ti, encontrei-a no comentário que aqui deixas-te.

Sabes tambem tenho esse medo, estas vidas que temos hoje, esta falta de tempo permanente, este correr desenfreado, faz-mos ter medo de um dia não ter tempo para cuidar do velho e ter-mos de ser o novo a levar o velho.

Que quando for velha não tenha um novo a levar-me a mim...
Eu que não tenho filhos é mais provável que seja uma daquelas velhas chatas rezingonas, engraçadas mas cheias de força e que vá-se lá saber como lá se aguentam agarradas à vida e à bengala. Continuando a caminhar as ruas da vida e do bairro, a sorrir mostrando a dentadura, a pôr-me bonita, a ir ao cabeleireiro com o livro debaixo do braço e aproveitar para ler o que os meus olhos deixarem, a dar conversa ao mundo inteiro bebendo as suas histórias e ajudando como a vida nessa altura me deixar...

Mas se assim não for... que lá no sitio onde me deixarem me tratem os olhos para poder ler.

Se um dia tiveres de ser o novo a levar o velho tenho a certeza que as visitas não irão ser apenas pelo Natal e isso já é levar contigo um pouco do sabor a mar...

Isabel