2012-01-04

Os dias estão bonitos!

Os dias estão bonitos. Talvez por estarem tão bonitos deixaram-me mais atento. Que melhor desculpa poderia eu ter para ouvir diálogos alheios?
À portaria da fábrica, por volta das oito horas, juntam-se uniformes de trabalho num mesclado cinzento. São os “empreiteiros”, pessoal que veio de longe, de perto, de qualquer lugar onde falte emprego, a construção da nova unidade assim o exige. Os quartos da região estão todos ocupados, os andares arrendados, a espanhóis, a imigrantes do leste, a brasileiros, aos africanos de nascença ou de descendência, a portugueses vindos do norte, a gente de sul que deixou de poder trabalhar em Espanha, na Holanda, em qualquer outro lugar, onde o dinheiro ganho de forma sazonal, ia dando para a despesa.
Formam-se grupos, esperam-se os encarregados, os responsáveis pela segurança, aguardam-se chamamentos que permitam a entrada ordenada pelo torniquete. No meio desde burburinho tento entrar despercebido, sigo um atalho de corpos, espero a minha vez e sigo atrás de um pequeno grupo. O passeio construído em “I’s” de cimento é ladeado por vários metros de relvado durante os duzentos metros que separam a portaria da rede das fábricas. Não costumo seguir, ordeiro, na corrente que se forma até à segunda entrada, geralmente entretenho-me a fazer gincanas.
Mas os dias estão bonitos, frios mas bonitos e convidam-me a passos lentos. Sigo aquele pequeno grupo, quatro homens, uma mulher, a responsável pela segurança, mulher nova com menos de trinta anos. Um dos homens, moço novo com pouco mais de vinte anos, queixa-se com o frio do quarto, “F…tu tinhas dito que ias comprar a m… dum aquecedor”, o mais velho, moço de trinta e poucos, responde-lhe à letra “Porque que não o compras tu c…? Sais á noite para mamar mas para comprar o c… do aquecedor tá quieto!”. O outro tentou responder qualquer coisa que o vento abafou e o mais velho continuou, “Eu se tivesse guita também andava nos copos, mas f…., se vou para o quarto já não saio! E tu não precisas de aquecedor meu cabrão, tu cagas-te como ò c….!”. Riram-se todos, eu também me ri...por dentro…
Houve troca de acusações até que o mais velho fez valer a experiência “Meu, eu na paragem dois mil só havia um dia que não vinha bêbado e era à sexta feira!”. Virei para o lado direito, pressenti-os e lancei-lhes um último olhar…Cabo Ruivo 1983!....o que a memória vai buscar…
F… os dias estão mesmo bonitos!

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