2013-01-16

Confissão por Pessoa

Subjugado pelo poder tremendo de todos os poetas reconheço a minha vulnerabilidade e incompetência. Fascina-me o charme da morte precoce sem no entanto a desejar. Tudo são sonhos e personagens, inventadas na angústia débil da almofada. Não me revejo nos génios que admiro, não sou alma bivalente ou transcendente, sou apenas cobarde de mim mesmo, recipiente transbordando de receios, tenho medo do que faço e medo de não fazer. Pego nessas biografias e rezo nas suas páginas orações de inveja incontida. Nunca o amanhecer me trouxe inspiração, tão somente sossego e paz numa inutilidade assumida. Todos os dias repito gestos mecânicos e faço promessas criativas. Todas as minhas criações se esgotam nas promessas. Sou parco de mudanças mesmo quando elas acontecem. Sou um pedaço de madeira, um destroço levado por um rio, não comando as águas nem sei do mar para onde me levam. Por isso leio e deixo a meio para mais tarde voltar. Por isso tudo parece inacabado. Eu próprio estou inacabado. Desfolhar estas confissões a hora tão matinal pode parecer soberba de poeta, arrogância de pseudoartista inventando conflitos. Não critico quem assim pense, mas mais uma confissão eu faço. Deitei-me cedo, sem álcool no sangue, nem tão pouco o jantar. Levantei-me cedo e estou a escrever. A razão de tudo isto devo-a a um caderno biográfico de Fernando Pessoa. Não me larga a abnegação do homem que de tudo se despojou limpando-se de relações. Fez-se vários por razões que todos estudam mas só ele sabe. Do único livro editado em vida o Estado Novo premiou-o. E eu que gosto do ler vejo-o tão distante de mim, tão limpo, tão composto, tão inglês, tão racional. Saramago, comunista assumido, destilou a personagem Ricardo Reis, revelando liberalismos e contradições. Não tenho tais capacidades, apenas vejo diferenças. Gostar de Pessoa é lugar-comum, há quem se identifique, eu leio, leio como alguém diferente que nunca verá um quinto império ou usará uma camisa branca e laço. Sou poeta porque sou português e isso fez-me poeta por direito. Sou poetastra assim como sou mau português. Deteste governos e desgovernos, não me deixo governar nem me governo. Sou casado e tenho uma filha e a única loucura conhecida é continuar a trabalhar. Sinto-me desconfortável na minha confortabilidade por saber que nunca realizarei sonhos. Invejo-te Fernando, não o que escreveste porque é teu, produto do teu “eu” do teu liberalismo, da tua adoração monárquica, das tuas pretensões aristocráticas, da tua inteligência e, diz quem sabe, talvez da tua doença. Invejo a tua coragem, a tua disciplina num propósito que desconhecido para mim eu inventei e ao qual dei o meu significado. Por isso és grande, disperso, diverso e morto consegues desassossegar-me, a mim pobre trabalhador de classe média baixa com pretensões à loucura como chave da genialidade. A César o que é de César porque a dor que eu sinto não é fingida, como se diz em bom português é dor de corno.


Agora que já desabafei, vou tomar o pequeno-almoço e fazer-me à vida que se faz tarde…

Um abraço a quem me ler e perdoem-me que eu não sou sempre assim….

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