2014-04-05

Abril #3

Tendo em conta que a política colonial portuguesa não era do agrado da NATO e dos seus membros, e que a Censura (Comissão de Exame Prévio) tinha como atividade o corte (recorte) dos telegramas onde as agências estrangeiras davam notícias que contrariavam a versão oficial sobre a situação nas ditas “províncias ultramarinas”, talvez não se estranhe o artigo publicado em princípios de maio de 1974 na revista espanhola “Gaceta Ilustrada”.
  “Discretamente, ao amanhecer do dia 25 de Abril, as unidades militares da NATO, chegadas no dia anterior ao porto de Lisboa, deixam o Tejo com rumo ao Atlântico e regressam às suas bases. Trata-se de navios, incluindo submarinos, de alguns dos onze países atlânticos que deveriam tomar parte no grande exercício aeronaval “Dawn Patrol 74”, programado para o dia 26, no Mediterrâneo e na costa atlântica, com operações submarinas, de defesa aérea e de assalto de forças inimigas. Aviões ingleses e norte-americanos, destacados para as manobras, encontram-se estacionados na base do Montijo, a trinta quilómetros de Lisboa. Mas um pouco antes da Junta derivada do golpe anunciar a mudança de regime, através da televisão, as manobras atlânticas foram anuladas: os navios portugueses que estavam no alto mar puderam assim voltar ao Tejo e ancorar pacificamente em frente a Lisboa. Às quatro horas da tarde, o comando da Marinha estava em condições de proclamar a sua adesão à Junta de Salvação Nacional.
  Esta foi uma das muitas manobras secretas, ocorridas nos bastidores, que acompanharam a queda do regime de Caetano. Nos dez dias que precederam o golpe ocorreram outros factos determinantes que agora estamos em condições de revelar. Estes factos provam que o Golpe de Estado conseguira o seu objetivo antes da noite do 25 de Abril; do mesmo modo mostram quais eram os apoios internacionais de que gozava o general Spínola.”
Este artigo coloca em evidência o controle exercido pelas potências da NATO sobre a situação nacional. De maneira nenhuma a revolução poderia resvalar num extremar de posições, fossem elas de ultra direita ou de extrema-esquerda. De qualquer maneira a revolução era bem-vinda pela ONU porque antevia a independência das ex-colónias portuguesas, objetivo há muito ambicionado por esta organização. Mas a revista espanhola continua:
  “No plano internacional, o general Spínola volta a reativar os contactos internacionais que já tinha solicitado, quando conjuntamente com Caetano pensava em reformas.”
  “Nos primeiros dias de Abril, os seus pontos de contato nas capitais mais importantes do Ocidente obtêm as mesmas respostas. Os financeiros: “Sim, seria bem-vinda uma solução política do problema colonial português”; os políticos: “Sim, uma liberalização controlada do regime português facilitaria a sua integração na Europa.”
  “Em Roma, monsenhor Pereira Gomes, chefe da ala liberal da igreja portuguesa, defende o plano de Spínola, perante o cardeal Villot. Pereira recebe estímulo do Santo Padre, muito preocupado quanto à paz e bem-estar dos seus filhos africanos. A tensão entre o Vaticano e Lisboa por causa das atrocidades de guerra em Moçambique e da expulsão dos missionários deu os seus frutos.”
“Só resta o problema da NATO. Spínola providencia para que entre em contacto com o próprio secretário, Joseph Luns, um dos seus amigos das finanças, o diretor dos estaleiros navais portugueses (LISNAVE), Thorsten Anderson, que em Megéve, na frança, participa (de 19 a 21 de Abril), numa misteriosa reunião de homens importantes da política, da diplomacia e do mundo de negócios internacionais, verificada num igualmente misterioso clube: O Clube de Bildeberg.”
  “De 19 a 21 de Abril, Mégeve é protegido pela polícia francesa como se o visitante fosse um chefe de Estado. Com efeito, no hotel Mont d’Arbois, propriedade de Edmundo Rothschild, reúnem-se a flor e a nata da política e das finanças ocidentais. A reunião é discreta, à porta fechada; os jornalistas não falarão dela; mas é ali que se decide a sorte do mundo ocidental. Desde 1954, ia da primeira reunião no hotel Bildeberg, na cidade holandesa de Oosterbeek, sob a presidência do príncipe Bernardo da Holanda, os homens mais influentes do Ocidente reúnem-se uma vez por ano para avaliar a situação política e estudar ou aprovar programas para o futuro.”
  “Basta o número de participantes deste ano, na reunião do clube, para se dar conta da sua importância. São os seguintes: Nelson Rockefeller, governador do Estado de Nova York; Frederick Dant, secretário norte-americano do comércio; o general Andrew Goodpaster, comandante das forças aliadas na Europa; Denis Healey, ministro das Finanças britânico; Joseph Luns, secretário-geral da NATO; Richard Foren, presidente na Europa da General Electric; Helmut schimdt, ministro das finanças Oeste-alemão, hoje chanceler, após a demissão de Willy Brandt; Franz Joseph Strauss, definido como homem de negócios alemão; Joseph Abs, presidente do Deutsche Bank; Guido Carli, governador do Banco de Itália; Giovanni Agnelli, presidente da Fiat; Eugenio Cefis, presidente da Montedison. E, ainda, Thorsten Anderson, homem de negócios português, que sondou Joseph Luns sobre as possíveis reacções da NATO face à possível mudança de regime em Lisboa.”
  “A resposta da NATO, certamente positiva, foi confirmada pelo comportamento, já citado no início, dos navios da organização ancorados em frente da capital portuguesa, nas primeiras horas do golpe de Estado. A sua presença era um silencioso dissuasivo contra quaisquer, entre os generais ultras, que intentassem opor resistência a Spínola. Os generais sabem da presença daqueles navios e sabem interpretar bem a sua saída de lisboa ao amanhecer do dia 25 de Abril. É claro que a NATO sabe quem são os autores do golpe, que conhece o seu programa e que o aprova. A reunião do Clube de Bildberg cumpriu o seu fim e Spínola, neste momento, tem a via livre.”
Não irei tão longe quanto à importância da dita reunião, mas não duvido do incómodo que a política externa portuguesa causava aos parceiros da NATO. A queda do regime terá sido uma bênção, o perigo do regime ter resvalado para extremismos também me pareceu um risco calculado (estivemos sempre vigiados), sujeito a falhas, que acabou por ser bem sucedido, principalmente após o 25 de Novembro. A revolução acabava e Portugal estava pronto para ser servido à mesa dos grandes da Europa pelas mãos dos partidos democraticamente eleitos.

(Fontes: “Capitães de Abril” Vol II, Alexandre Pais e Ribeiro da Silva)

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