2014-04-26

Abril #6 Assim comecei o texto que queria publicar, assim me detive para continuar um dia depois…

“Saltei da cama, literalmente, impulso biomecânico, repleto de idealismos, sonhos revolucionários, abstrações ouvidas em surdina nos cafés, os meus colegas estudantes, os meus companheiros de labuta, lá na fábrica perto do rio. Vesti-me à pressa, com a urgência de um acidente, com a urgência de uma doença grave, se lavei a cara, não me lembro, assim como não me lembro do pequeno-almoço, ele que já de si sempre foi pequeno, muito mais pequeno do que o dos donos da fábrica. Os militares estavam na rua…”
(relato hipotético de um trabalhador no dia 25 de Abril de 1974)


“Hoje tive a noção exata do que significa o dia da liberdade, o dia 25 de Abril. Fui trabalhar cedo, entrada às oito, assim manda o meu horário que não segue as lógicas das rotinas de calendário. Durante o trajeto ouvi canções não censuradas, sim, ouvi o que bem me apeteceu, não precisei preocupar-me com tendências políticas, conceções ideológicas ou castrações moralistas….”


Assim comecei o texto que queria publicar, assim me detive para continuar um dia depois…


…Um dia depois porque um dia depois tudo adquire mais significado, limpo que fica de ruídos de fundo, de histerias convulsivas dependentes de correntes de opinião, de paixões reais, abstratas ou simplesmente fingidas. Ontem que foi 25 penso nele hoje dia 26, hoje porque já não há festas nem programas rebuscados e de gosto duvidoso que me apoquentem a alma. As reflexões sérias nunca se fazem no deslumbramento dos sentidos, dos que querem chorar, celebrar, renegar, ou pura e simplesmente desacreditar tudo aquilo que lhe devemos, ao 25 de Abril, evidentemente. Neste dia depois posso pensar calmamente, posso lembrar-me de mim, de que a minha mãe se fosse viva teria comemorado as bodas de ouro do casamento com o meu pai, sim o 25 de Abril também é a minha vida pessoal, já existia antes da revolução, dai que a data é apenas uma data e o que dela fica são sentimentos, a revolução que começou nunca acabou, a revolução é uma constante. O que nos aconteceu com o ano de 2008, o ano em que rebentou a bolha também foi uma revolução, apercebemo-nos então que tínhamos estragado tudo. Destas e de outras revoluções é feita uma nação e no seu conjunto a sociedade que se diz Ocidental. Por mais que a renegue, a ela pertenço, feito que, toda a minha vida, a maneira do meu viver, foram moldados na sua forma. Hoje, que penso no 25 de Abril, penso no essencial, no que a revolução me deu, leio o que posso sem restrições, digo do que sinto sem medo, não tenho medo de ir morrer em continentes distantes, em guerras condenadas (e se o fizer é através de um ato voluntário, portanto livre), falo livremente, sentado à mesa dos cafés ou noutro lado qualquer, sem olhar para o lado, sem sentir o frio da denúncia, durmo em casa, num convencimento profundo de que ninguém me irá arrancar da cama para me levar para um qualquer lúgubre edifício em nome da defesa do estado, vergando a minha liberdade a um silêncio profundo, se tiver de sair do país para trabalhar não o faço às escondidas, posso voltar quando quiser e posso condenar por esse fato quem me apetecer, posso votar em quem quero, posso afirmá-lo sem medo, posso carregar comigo convicções políticas e dúvidas existenciais, posso ter medo por convicção e refugiar-me nele como justificação para tantas incertezas, enfim, tenho liberdade, no que escrevi e tenho por escrever está a essência do 25 de Abril. No 25 de Abril também estão outras conceções, essencialmente ideológicas, de natureza social como o são a justiça, a saúde e a educação. E do 25 de Abril a justiça alargou-se ao povo, e eu posso invocar a justiça dos tribunais, e do 25 de Abril a saúde bafejou os desprotegidos, e o serviço nacional de saúde tratou por igual ricos e pobres, e do 25 de Abril todas as crianças tiveram direito a educação e chegaram a cursos superiores homens e mulheres que nunca o poderiam ter sonhado. O que o 25 de Abril não nos deu foi, maus juízes e maus tribunais, médicos e farmacêuticos corruptos, universidades fictícias de cursos suspeitos e outros desmandes, isso foi uma dádiva nossa através das escolhas que fizemos. Quem transformou os partidos do chamado arco da governação em casas de prostituição moral fomos nós, que com a nossa arma, o nosso voto, lhes dissemos que podiam continuar, cansados ou com medo da liberdade reduzimo-la a duas escolhas e hoje queixamo-nos de não as ter. Eu hoje, um dia depois do 25 de Abril não me queixo do 25 de Abril não me queixo das instituições democráticas, nem dos partidos, eles são o mecanismo democrático, quem o faz funcionar são as pessoas, o povo que elege e os eleitos, a esses sim, temos de pedir responsabilidades ou pelo menos confrontá-los com elas. Dizia eu que a revolução continua, agora num sentido inverso, agora que mal gerida a entregámos a outros, queixemo-nos dessa gestão, aprendamos com os erros e façamos nós a nossa revolução. O 25 de Abril deu-nos liberdade mas não nos tirou o medo e a apatia, esses são nossos, adquirimo-los com o conforto do dia-a-dia, com o sonho europeu vendido “á la carte” pelos seus fundadores, com as inovações tecnológicas, com os maravilhosos gadgets que nos fazem tão iguais…

A revolução não se esgotou no 25 de Abril, tal como uma flor preciosa, é carente de cuidados, tem que ser alimentada, com alma, com amor, com solidariedade, depende de nós não a deixarmos morrer!



Hoje, um dia depois do 25 de Abril, eu agradeço do fundo do meu coração a todos os que o tornaram possível, a esses o meu respeito é eterno e profundo!!!!!!!!

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