“Saltei da cama, literalmente,
impulso biomecânico, repleto de idealismos, sonhos revolucionários, abstrações
ouvidas em surdina nos cafés, os meus colegas estudantes, os meus companheiros
de labuta, lá na fábrica perto do rio. Vesti-me à pressa, com a urgência de um
acidente, com a urgência de uma doença grave, se lavei a cara, não me lembro,
assim como não me lembro do pequeno-almoço, ele que já de si sempre foi
pequeno, muito mais pequeno do que o dos donos da fábrica. Os militares estavam
na rua…”
(relato hipotético de um
trabalhador no dia 25 de Abril de 1974)
“Hoje tive a noção exata do que significa o dia da
liberdade, o dia 25 de Abril. Fui trabalhar cedo, entrada às oito, assim manda
o meu horário que não segue as lógicas das rotinas de calendário. Durante o
trajeto ouvi canções não censuradas, sim, ouvi o que bem me apeteceu, não
precisei preocupar-me com tendências políticas, conceções ideológicas ou castrações
moralistas….”
Assim comecei o texto que queria
publicar, assim me detive para continuar um dia depois…
…Um dia depois porque um dia
depois tudo adquire mais significado, limpo que fica de ruídos de fundo, de
histerias convulsivas dependentes de correntes de opinião, de paixões reais,
abstratas ou simplesmente fingidas. Ontem que foi 25 penso nele hoje dia 26,
hoje porque já não há festas nem programas rebuscados e de gosto duvidoso que
me apoquentem a alma. As reflexões sérias nunca se fazem no deslumbramento dos
sentidos, dos que querem chorar, celebrar, renegar, ou pura e simplesmente
desacreditar tudo aquilo que lhe devemos, ao 25 de Abril, evidentemente. Neste
dia depois posso pensar calmamente, posso lembrar-me de mim, de que a minha mãe
se fosse viva teria comemorado as bodas de ouro do casamento com o meu pai, sim
o 25 de Abril também é a minha vida pessoal, já existia antes da revolução, dai
que a data é apenas uma data e o que dela fica são sentimentos, a revolução que
começou nunca acabou, a revolução é uma constante. O que nos aconteceu com o
ano de 2008, o ano em que rebentou a bolha também foi uma revolução,
apercebemo-nos então que tínhamos estragado tudo. Destas e de outras revoluções
é feita uma nação e no seu conjunto a sociedade que se diz Ocidental. Por mais
que a renegue, a ela pertenço, feito que, toda a minha vida, a maneira do meu
viver, foram moldados na sua forma. Hoje, que penso no 25 de Abril, penso no
essencial, no que a revolução me deu, leio o que posso sem restrições, digo do
que sinto sem medo, não tenho medo de ir morrer em continentes distantes, em
guerras condenadas (e se o fizer é através de um ato voluntário, portanto livre),
falo livremente, sentado à mesa dos cafés ou noutro lado qualquer, sem olhar
para o lado, sem sentir o frio da denúncia, durmo em casa, num convencimento
profundo de que ninguém me irá arrancar da cama para me levar para um qualquer lúgubre
edifício em nome da defesa do estado, vergando a minha liberdade a um silêncio
profundo, se tiver de sair do país para trabalhar não o faço às escondidas,
posso voltar quando quiser e posso condenar por esse fato quem me apetecer,
posso votar em quem quero, posso afirmá-lo sem medo, posso carregar comigo
convicções políticas e dúvidas existenciais, posso ter medo por convicção e
refugiar-me nele como justificação para tantas incertezas, enfim, tenho
liberdade, no que escrevi e tenho por escrever está a essência do 25 de Abril.
No 25 de Abril também estão outras conceções, essencialmente ideológicas, de
natureza social como o são a justiça, a saúde e a educação. E do 25 de Abril a
justiça alargou-se ao povo, e eu posso invocar a justiça dos tribunais, e do 25
de Abril a saúde bafejou os desprotegidos, e o serviço nacional de saúde tratou
por igual ricos e pobres, e do 25 de Abril todas as crianças tiveram direito a
educação e chegaram a cursos superiores homens e mulheres que nunca o poderiam
ter sonhado. O que o 25 de Abril não nos deu foi, maus juízes e maus tribunais,
médicos e farmacêuticos corruptos, universidades fictícias de cursos suspeitos
e outros desmandes, isso foi uma dádiva nossa através das escolhas que
fizemos. Quem transformou os partidos do chamado arco da governação em casas de
prostituição moral fomos nós, que com a nossa arma, o nosso voto, lhes dissemos
que podiam continuar, cansados ou com medo da liberdade reduzimo-la a duas
escolhas e hoje queixamo-nos de não as ter. Eu hoje, um dia depois do 25 de
Abril não me queixo do 25 de Abril não me queixo das instituições democráticas,
nem dos partidos, eles são o mecanismo democrático, quem o faz funcionar são as
pessoas, o povo que elege e os eleitos, a esses sim, temos de pedir
responsabilidades ou pelo menos confrontá-los com elas. Dizia eu que a
revolução continua, agora num sentido inverso, agora que mal gerida a entregámos
a outros, queixemo-nos dessa gestão, aprendamos com os erros e façamos nós a
nossa revolução. O 25 de Abril deu-nos liberdade mas não nos tirou o medo e a
apatia, esses são nossos, adquirimo-los com o conforto do dia-a-dia, com o
sonho europeu vendido “á la carte” pelos seus fundadores, com as inovações
tecnológicas, com os maravilhosos gadgets que nos fazem tão iguais…
A revolução não se esgotou no 25
de Abril, tal como uma flor preciosa, é carente de cuidados, tem que ser
alimentada, com alma, com amor, com solidariedade, depende de nós não a
deixarmos morrer!
Hoje, um dia depois do 25 de
Abril, eu agradeço do fundo do meu coração a todos os que o tornaram possível,
a esses o meu respeito é eterno e profundo!!!!!!!!
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