2023-07-23

Trabalhar; um desafío diário

Está sim? Boa tarde, o meu nome é Paulo Guerreiro e sou paciente do Dr. Blogue. Será que haveria hipótese de me arranjar uma consulta para esta semana? O Dr. está cheio! Só para daqui a quinze dias? Não me consegue arranjar ai um buraco onde me encaixar? Ok, vai falar com ele e já me diz qualquer coisa, obrigado.

Este Doutor é espectacular, arranja sempre tempo para me ouvir, e hoje preciso tanto de falar. Sentei-me no sofá. Não me apetece deitar, podiam as palavras ficar engasgadas na garganta, repousando preguiçosas na horizontalidade do meu corpo. 

Amanhã volto ao trabalho após três semanas de férias. Se foram boas? Foram óptimas. O hotel tinha todas as condições e eu levei a cadeira de rodas. O que eu mais gostei? Das piscinas. A exterior era muito boa, com quatro acessos muito bem conseguidos, bastava levarem-me até ao corrimão. Que felicidade, a água fresca no meu corpo mirrado, a sustentabilidade e o equilíbrio, como que por magia, recuperados. Se houve lágrimas? Claro que houve. Essas nunca mais me abandonarão.

Amanhã volto ao trabalho. A cada semana que passa sinto-me mais limitado, menos eu. Ainda não decidi se levo o andarilho ou a cadeira de rodas. Se levar a cadeira de rodas ando mais depressa, o milagre da roda, que maravilhosa invenção. Algumas das portas são um contratempo, a casa de banho também. Mas também, por esta altura, tudo é um contratempo. 

A noite que passou fartei-me de pensar. Construí o dia de amanhã a partir dos meios receios. Custa-me tanto o olhar piedoso, principalmente o dos meus amigos mais próximos. Eles bem que tentam disfarçar, mas eu descubro-lhe esse ligeiro franzir de testa, a empatia e a dor que lhes provoca. São breves os segundos, mas a cada dificuldade eles repetem-se e eu sinto-os. Ando a treinar-me para os ignorar. Os meus amigos? Não! Os segundos, são os segundos que eu pretendo ignorar.

Ainda não decidi se vou mudar de gabinete. Amanhã logo vejo. Preciso de ver qual deles fica mais perto da casa de banho. Se já uso fraldas? Ainda não, mas já pensei nisso. Esta história de ir à casa de banho mói o juízo a uma pessoa, sempre a pensar se chego a tempo, se consigo segurar-me. Sentar-me na sanita é outro problema. Em casa arranjei um adaptador com braços, na verdade arranjei dois, um para cada casa de banho. Também comprei um para levar para o trabalho. acha que me vou safar? Depende de mim? Ok, compreendo.

Já passou a hora? Ah, Dr. é sempre tão rápida esta hora, fica sempre tanto por dizer. 

Escrevo diretamente no editor do blogue. Não procuro estilos nem palavras bonitas, procuro-me a mim por detrás delas, das palavras. Consigam elas revelarem-se em pensamentos. Estou convencido que a sua leitura, num tempo posterior, me permitirá reconhecer-me. Nem sempre escrevi para mim, mas neste momento tenho total consciência desse facto. 

Gosto de ver as palavras aparecer na pré-visualização. Fica mais fácil entender-me. Às vezes até me esqueço que fui eu que originei o grafismo e que aquelas palavras me pertencem. Chego, até, a gostar um pouco de mim.

Imagino-me a descer as escadas do consultório. É melhor voltar atrás e repetir...imagino-me a descer de elevador, deixando os pensamentos tomarem conta de mim.

O melhor é despedir-me...

Até amanhã Paulo!





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