2007-03-27

A Lagoa VIII


Ouvem-se vozes dentro de casa e passos que se aproximam da porta, passos leves, de gente jovem. Foi o Hugo que abriu a porta, rapaz alto, parecido com o pai, tem dezassete anos. É o filho mais velho do casal e para o próximo ano entra na universidade. “Boa noite Alice, entra!”, “Boa noite Hugo.”, ela entrou sem notar que Hugo ao fechar a porta lhe apreciou as formas e as imaginou por debaixo da farda, a idade não perdoa e o crescimento traz consigo sensações extraordinárias. Cheirava bem, a Gabriela tinha a sorte de viver perto da casa da mãe, pessoa humilde mas que conseguia tirar do quintal a auto-suficiência saudável da vida no campo. Frango do campo com pimentos, batata nova, cortada na hora, frita para o momento, salada fresca, vinho novo, pão comprado à vizinha que tinha um forno a lenha e também fazia folares, pena que o jantar tivesse de ser rápido. Gabriela cumprimentou Alice, “Boa noite Alice, o Pedro ainda está na casa de banho mas está quase despachado.”, “Temos tempo.”, “Será coisa que não vos faltará…”, palavras sem malícia, relembrando apenas a noite longa em local de desassossego, “Quando escolhemos esta profissão temos de nos habituar.”, “Faz anos que ouvi essas mesmas palavras da boca do Pedro.”, “Ele mudou?”, “Não, habituou-se.”. Pedro chegou já fardado, sentaram-se à mesa. Entretanto Afonso largara a Playstation que tinha no quarto e juntara-se ao resto da família. Moço de catorze anos fazia o lado da mãe, irrequieto, irreverente, sentimental, muito diferente do irmão mesmo tendo em conta a diferença de idades. Jantaram quase em silêncio, a comida convidava à apreciação gustativa, este só foi quebrado para discutir banalidades do quotidiano. Afonso acabou mais cedo e pediu para voltar ao quarto, tinha o jogo a meio e encontrava-se impaciente para o terminar. Hugo ficou até ao fim olhando de soslaio para Alice, aquela mulher perturbava-o, com ela sim se transformaria num homem, pensamentos de uma adolescência a acabar. Pedro levantou-se devagar, por vontade própria teria ficado com a mulher, nem que fosse a ver a novela, só para lhe sentir o calor, o conforto, quem sabe se quando fossem para a cama…Mas não foram, ele não vai dormir na cama esta noite. Foram a pé para o posto. Ao Pedro não lhe apetecia falar, Alice percebeu e respeitou-lhe a vontade.
“Até às seis, pode ser?”, não uma pergunta, uma ordem simpática de uma hierarquia humana. Até que ponto a recusa, mas eles não pensam nisso, sabem o que têm para fazer e a sua inevitabilidade, o treino para isso serviu.
Patrulharam a noite toda o perímetro do lago. Outros dois colegas noutra viatura fizeram o mesmo no pinhal. Sempre com o canal de rádio ligado não fosse o diabo tece-las. Os grupos de crentes haviam diminuído na lagoa e os poucos que avistaram mostravam-se receosos. Ao interpelarem um destes grupos para identificação provocaram a debandada do mesmo, que se separou em várias direcções impedindo a sua missão.
Foi já depois de terem chegado a casa e de se terem deitado que o mantorras descobriu o cadáver da mulher. Coincidência ou não a mulher morta era Dona Inês, mulher viúva que tinha aconchegado Rafael, também morto. Foi por esta altura que as decisões se agudizaram. As autoridades tinham na mão quatro mortes num caso que reabria feridas profundas de um passado recente. Informaram o presidente da autarquia e foi promovida uma reunião de urgência que tivesse em conta os vários aspectos da situação. Temia-se o pânico nas populações, a má fama que os acontecimentos traziam para a região, o turismo prejudicado, a queda de um projecto que não se queria industrial. Nem todos estavam descontentes e entre os convocados para essa reunião encontravam-se pessoas agradadas com o desenrolar dos acontecimentos.

(cont.)

1 comentário:

pb disse...

bem primo tou a gostar de ler :-), estou curiosissimo de ver como acaba esta historia, quais os motivos por detrás destas mortes. Deixo-te um abraço