2007-04-02

A Lagoa IX

Grandes foram as discussões e trocaram-se palavras azedas, pouco dignas de tão distintos intervenientes. Havia quem quisesse cortar o mal pela raiz, lotear, vender, ganhava-se dinheiro e acabava-se com a insegurança. Do outro lado a crença, o respeito pelo local.
Por falta de consenso aceitou-se a interdição temporária dos dois locais, vigilância apertada. A falta de meios dificultava esta opção mas o responsável a quem caberia a tarefa garantiu-a. Como sempre seriam os peões a pagar a factura neste jogo de xadrez. Mas os acontecimentos precipitavam-se, os ânimos estavam exaltados e enquanto estas decisões eram ponderadas, perto do pinhal, várias pessoas confrontavam-se violentamente. Conta quem esteve presente que o ódio prevaleceu durante a contenda e além de vários feridos graves encontravam-se duas pessoas mortas. Ainda a reunião não tinha terminado quando as noticias chegaram. O isolamento da área tornou-se urgente e todos os meios foram convocados. Também a polícia de intervenção foi chamada como forma de acalmar os vários grupos que se formaram nas imediações do local. No Hospital para onde tinham sido levados os feridos, acompanhantes rivais envolveram-se em confrontos. Pacientes desprevenidos foram agredidos, enfermeiras, bombeiros, pessoal da segurança e forças policiais corriam em todas as direcções sem conseguir travar os tumultos. Ouviram-se tiros e no meio da confusão um maqueiro foi atingido. A situação só ficou controlada quando chegaram as duas carrinhas da polícia de intervenção, deslocadas que foram, à pressa, do seu destino original. Pedro e Alice ainda dormiam, mas por pouco tempo. Quem acordou o Pedro foi Afonso que tinha ido almoçar a casa. Chegara excitadíssimo, comendo as palavras enquanto contava o que sabia ao pai. Alice acordou com o telefone, monótono chamamento que ela custou a interpretar, primeiro lá no fundo, primitivo chamamento dos sentidos, sem identificação e sem urgência, depois mais próximo, estou aqui, ouve-me Alice, acorda, alguém precisa de ti. Pedro telefonou à mulher, professora primária na escola P2, perto do pinhal. Por lá tudo bem. Do Hugo sabia-o em Lisboa, numa visita de estudo, por via das dúvidas também lhe telefonou, “Acordaste tão cedo para me telefonar?”, “Foi a tua mãe que me pediu…”, “Pai, não sabes mentir.”, “Precisava de te saber bem…As coisa aqui estão complicadas…”, “As seitas?!”, “Sim…Não sei bem mas penso que sim. Possivelmente vou ser chamado. Quando voltares telefona-me.”, “Não te preocupes.”, “Promete-me que esta noite não sais de casa.”, “Eu depois telefono-te, um beijo…”, a ligação interrompida, teria de ser a Gabriela a cuidar deste caso.
Encontraram-se no posto, quase vazio. As ordens eram claras, dentro em pouco começariam a chegar pessoas para ser identificadas, “Quantos?”, “Ninguém sabe ao certo mas parece que esta merda vai ficar cheia.”, “E onde é que os metemos?”, “Logo se vê…”. As celas estavam atafulhadas de papelada e a primeira coisa a fazer foi limpá-las, não no sentido de limpeza mas no sentido espacial da questão. Tanta porcaria que para ali havia…Eram três celas, em condições normais dariam para doze detidos a julgar pelos dois beliches que faziam parte do mobiliário de cada uma. No rádio do posto as noticias eram boas e más. No Hospital a situação estava controlada mas para os lados da Lagoa não havia gente suficiente e foram detectados vários grupos que se dirigiam nessa direcção. Para contrastar com os acontecimentos o tempo estava óptimo, sem nuvens, calor até demasiado tendo em conta a época e um sol que parecia indiferente à agitação humana, que tem ele com isso?...Também me parece!
A primeira carrinha a chegar trazia treze pessoas, todos homens, algemados e cercados por guardas que mostravam ostensivamente as suas armas automáticas. Alguns dos presos traziam escoriações, algumas delas bastante feias. Do Hospital tinham vindo sem ser tratados, não fora esse o motivo que os levara lá. Percebia-se que não pertenciam todos ao mesmo grupo, os olhares de morte não enganavam, teriam isso em consideração quando os arrumassem nas celas.


(Continua mas está quase no fim....)

1 comentário:

pb disse...

bem, mais um capitulo que li e maior ficou a curiosidade para saber como acaba isto, um abraço primo