2007-04-20

A Lagoa X (Finalmente o fim)

Difícil foi a tarefa de identificação. Por entre gritos e insultos lá conseguiram o nome de toda a gente. Alguns, conhecidos, apelavam a esse facto para obterem tratamento especial. As circunstâncias não o permitiam e esse apelo foi ignorado. Finalmente, presos os treze homens, puderam os guardas concentrar-se no pinhal e na lagoa.
Para fazer cumprir a interdição do acesso a esses locais foi deslocada a polícia de intervenção, agora que a situação no hospital estava sanada. Com os efectivos todos na rua, a GNR sentia-se impotente perante a onda de violência que se deslocou para a cidade. Dizia-se que havia mais mortos no pinhal e que as autoridades queriam ocultar a questão. Na verdade, por entre o mato, haviam mais dois cadáveres, mas as autoridades não tinham disso conhecimento, são um aproveitamento da situação. Quem provocou estas mortes quis misturar intenções, dispersar culpas, livrar-se de alguém incómodo.
Desconhecem-se as causas que levaram as águas da lagoa a mudar de cor. Sabe-se que os peixes morreram e as plantas apodreceram deixando por cima da água um cheiro azedo de decomposição.
Também o pinhal mudou de cor. Com o avançar da tarde levantou-se vento forte e aumentou o calor. Passavam trinta minutos das três horas. O fogo apareceu do lado do mar, do lado menos guardado, rapidamente consumiu os pinheiros.
Foram estas cores, estes tons de vermelho, que fizeram parar a violência humana. De todos os lados convergia gente e uma enorme multidão se juntou em silêncio à beira da via rápida. Do outro lado o fogo, entre eles a polícia de intervenção que lá ficara com a incumbência de vedar acessos. Acessos que pelos vistos não vedou. Embora habituados a estas andanças, alguns dos rostos destes homens, geralmente duros e insensíveis, mostravam uma perturbação anormal.
Pedro e Alice tinham ficado na cidade e procuravam acalmar dois grupos que se tinham envolvido em confrontos na paragem dos Expressos. A coisa não estava fácil, as pessoas facilmente se dispersavam recomeçando as escaramuças algumas dezenas de metros depois. As ruas largas e o terreno aberto não ajudavam a conter tanta gente e eles eram só dez. Fez mais o cheiro a queimado do que os seus esforços, na luta desigual que travavam. Os confrontos acabaram subitamente e as pessoas, como autómatos, dirigiram-se para o pinhal e para a lagoa. Pedro e Alice pediram novas instruções perante esta nova situação. Não tinham efectuado detenções e os feridos, se os havia, tinham desaparecido arrastados pelos desertores, pela forte ventania sem direcção definida.
Pedro vai saber da mulher, do filho mais novo, Alice vai com ele. Os outros guardas seguem em direcção ao inferno.
Ouvem-se as sirenes dos bombeiros. Momentaneamente cercado pela lagoa e pelo mar, o fogo investe violentamente contra a via rápida e desagua pelo lado sul por onde o pinhal se prolonga até aos viveiros, até ao tratamento de águas, até à rotunda.
Dos dois corpos que lá se encontram só o carvão é testemunha da sua presença, talvez os especialistas consigam descobrir identidades.
Na lagoa o peixe que veio à superfície para morrer, jaz boiando junto às margens. Também as enguias e os lagostins lhe fazem companhia, fauna morta, feita fronteira entre a terra e a água. Vermelha, a água reflecte o vermelho do fogo. Do pinhal, nuvens negras de fumo, rodopiam em pequenos tornados. O calor é insuportável e o vento decide empurrar as chamas de encontro ao asfalto. São as faúlhas que o atravessam pegando fogo ao mato rasteiro do outro lado, do lado da cidade, na periferia sul.
Acossados pelo fogo os polícias de intervenção empurraram a multidão. A princípio estupefacta, a mole humana dispersou em direcção à cidade. Pequenos grupos de corajosos cidadãos organizaram-se junto às primeiras habitações decididos a defendê-las.
Mas depois de atravessada a via rápida as primeiras casas tornaram-se cordeiros dispostos ao sacrifício. Vê-se gente acorrer num atropelo de urgência, na defesa dos seus lares.
Sem razão para estarem presentes, os elementos da polícia de intervenção foram desmobilizados. Corporações de bombeiros das povoações vizinhas apareciam de todos os lados. A coordenação era difícil e ainda se encontrava muita gente nas ruas.
Travado no lado sul pela rotunda e pela colaboração dos trabalhadores de duas fábricas perto do local, o fogo ocupava-se agora a queimar as casas na orla da cidade. Mesmo com os meios dispersos os soldados da paz tentaram salvar as habitações que ainda não tinham ardido. Entretanto, no lado norte, mesmo junto à lagoa, o lume encontrara uma pequena passagem de mato entre as águas e a estrada ameaçando várias pequenas quintas ao longo da costa. Libertara-se o inferno e este tudo consumia.
Desesperados, antigos rivais, lutavam lado a lado na tentativa de travar a destruição. Tivesse esta união vindo mais cedo…..
De como tudo recomeçou passados tantos anos há-de ficar um mistério para as autoridades e para a população. Eu, no entanto, sou o narrador e tenho por obrigação saber mais, e do que sei vou-vos contar. Sei que as duas crianças foram mortas por vingança, vingança do Rafael. O Rafael que não resistiu às insinuações do caseiro, pai das meninas, e que frequentava a sua filha lá para os lados da rotunda. Ele sabia o que custava ter perdido uma filha…O outro havia de perder as duas…Não abusou delas, não era essa a intenção, destruiu-as por dentro apenas para camuflar o crime. Nessa mesma noite, no café do Aníbal, encontraram-se os dois e numa troca de olhares o caseiro percebeu quem o tinha feito. A espera foi feita nessa mesma noite, a asfixia foi rápida, também ai a destruição interna do cadáver foi pormenor de encobrimento, pormenor que não teve com Dona Inês que sabia o que Rafael tinha feito e foi à casa do caseiro para lhe contar. Este matou-a com uma faca e com a ajuda da mulher deixou-a junto à lagoa.
A verdade destas mortes ficou selada quando o casal sucumbiu perante o fogo. Na tentativa de salvarem a sua pequena quinta deixaram-se cercar e morreram carbonizados….
As outras mortes foram fruto da situação, assim como os conflitos e ódios que germinaram entre a população.
Ficam duas perguntas…E o fogo no pinhal? E a água envenenada? Terá sido castigo divino?
Talvez as respostas estejam no empreendimento turístico que vai ser construído no local onde existia o pinhal…Junto à lagoa…

Fim

3 comentários:

pb disse...

gostei deste conto, primo. soubeste-me prender durante os capitulos á espera do capitulo final. Um abraço

Titá disse...

Soubeste-nos prender capítulo a capítulo e ainda assim, surpreender-nos e emocionar-nos com o fim.
Desejo sinceramente que continues neste registo, porque és fantástico.
Um beijo para todos e aquele abraço

Isabel disse...

Voltarei mais tarde para te ler com o tempo que mereces.

Até lá passa com a "urgência" possivel pelo meu sitio tens lá um presente que acho que tambem bem mereces.

Isabel