2012-09-05

O aniversário

Pedro faz anos hoje. É domingo e passaram três dias desde que esteve em casa da dona Ana. Não se lembrou do seu aniversário mas lembrou-se do “PP”. Tinha acabado de levantar-se e procurava qualquer coisa no frigorífico. Tinha a boca seca e o estomago fervia-lhe de azias.


Ficara sozinho em casa agarrado à guitarra elétrica. Colocara os headphones na cabeça e uma garrafa de Whiskey na mesa perto da cadeira, meio braço de distância, e junto da garrafa um copo sem gelo. Exercitou os dedos em escalas de blues durante um quarto da garrafa. Os olhos fechados libertaram a cabeça e as escalas começaram a entrelaçar-se com acordes dedilhados e ritmos de velhas canções conhecidas. Foi assim que o resto da garrafa desapareceu.

Pedro não gosta de fazer anos. Tem poucos amigos e nenhum deles é escolhido em dia de aniversário. Guarda-se para os seus dois filhos, homens já feitos como se costuma dizer. Aparecem sozinhos e juntos escolhem um restaurante para almoçar. O mais novo deixa-os sempre mais cedo. Fica com o mais velho e janta em casa deste com os netos. À noite volta para casa.

Hoje não deverá ser diferente. O telefone deverá tocar por volta das onze. É sempre o Rodrigo que telefona primeiro, o mais velho. Alberto, o mais novo, avisará da sua chegada quando vem já a caminho. A rotina deste dia não será corrompida, pelo menos por enquanto.

Tomam um aperitivo em casa do Pedro. Trocam-se banalidades. Rodrigo repara que o pai está mais magro e macilento, Pedro comenta o aspeto efeminado de Alberto, Alberto diz que está tudo na mesma.

Vão almoçar à Costa da Caparica. Escolhem o “Barbas” por ficar mesmo junto ao mar. Em Março tudo é mais calmo e as praias estão praticamente desertas. O Rodrigo conduz, ao seu lado Pedro olha distraído para a paisagem. Lá atrás, Alberto, escondido por detrás dos óculos escuros, procura recuperar do seu trabalho noturno. “Vais jantar lá a casa Pai?”, “Ainda não sei.”, “Tens alguma coisa combinada?”, “Não…Não sei…”, “Está tudo bem contigo? Acho-te cansado.”, “Ontem dormi mal e bebi muito.”, “Tens de ter cuidado.”, “Sim…”, “Os teus netos iam gostar de te ver hoje.”, “E ela também?”, “Não sejas assim, tu sabes que ela gosta de ti.”, “Talvez por isso acabamos sempre a discutir…”, “Não é uma questão de gostos, é uma questão de feitios…vocês são teimosos como à merda!”, “ Ela consegue tirar-me a paciência, principalmente quando fala de política. Não sei como a consegues aturar.”, “Talvez porque gosto dela.”, “Mesmo assim, a gaja é uma reacionário do caraças.”, “A gaja é minha mulher Pai!”, “Eu sei…Desculpa…Não estou nos meus dias.”, “Já tinha reparado!”.

O silêncio volta ao carro. “Queres ouvir alguma coisa?”, “Tens alguma coisa de jeito?”, “O que tenho está em MP3, vais ter de procurar, entendes-te com isso?”, “O teu carro é muito complicado, procura tu qualquer coisa, acústico se tiveres.”, “Eric Clapton unplugged?”, “Serve!”, “Ouves sempre a mesma merda!”. Este último comentário foi de Alberto.

Comeram arroz de tamboril que acompanharam com duas garrafas de branco. Pedro não comeu sobremesa mas bebeu dois balões de “Black label”. Sentia-se entorpecido. O corpo não lhe pesava e os olhos repousavam no mar. Rodrigo pagou e saíram. A caminho do carro rodrigo voltou a insistir, “Sempre vais lá a casa esta noite?”, “Não sei…estou a ser honesto contigo, não sei.”, “Mas eu preciso de saber, sabes como é a Madalena.”, “Sim eu sei. O melhor é não contares comigo.”, “Custa-me deixar-te sozinho.”, “Não te preocupes que eu estou bem.”, “Estás?”, “Estou!”.

Alberto não se mete na conversa do irmão com o Pai. É travesti num bar noturno de Lisboa e esta conversa aborrece-o profundamente. Do pouco que gostaria de dizer ao Pai este não gostaria de ouvir. Talvez gostasse de o convidar para ir a sua casa, jantar com ele e com o seu companheiro, mas isso estava fora de questão.

Despediram-se à porta do apartamento em Almada. Um abraço ao Rodrigo, um beijo disfarçado na face de Alberto. Entrou em casa e sentou-se. Levantou-se outra vez e foi abrir uma “Red Label”, a última. Tinha acabado de encher o copo quando o telefone tocou. “Quem é?”, “Ei Brother, é o PP”. Pedro sorriu pela primeira vez desde que tinha acordado. Afinal o dia não estava perdido.

(Continua)

Sem comentários: