2012-09-02

Sou eu mãe!

Três da manhã. O automóvel segue a alta velocidade na autoestrada. Os olhos do Paulo devoram o tracejado numa cadência hipnótica. Não é ele o condutor. O volante está entregue a uma bela mulher que desfruta da condução com um prazer erótico. A torção das rodas dianteiras é seguida milimetricamente pelo corpo vibrante. A blusa justa que lhe cobre o corpo revela-lhe a excitação nos mamilos proeminentes. Nas colunas, o som de Stone Roses “Breaking into heaven”. As palavras roucas dizem-lhe:


“I've been casing your joint for the best years of my life

Like the look of your stuff, outta sight

When I'm hungry and when I'm cold

When I'm having it rough

Or just getting old”

Paulo adivinha as formas de Anne através dos segmentos brancos que desaparecem entre os faróis do BMW de alta cilindrada:

“Better man the barricades

I'm coming in tonight

Had a line of my dust, outta sight

When I wander and when I roam

I'll find a soul I can trust

I'm coming home”

O solo de guitarra aponta para um lugar escuro, algures para lá do limite dos faróis:

“I'm, I'm gonna break right into heaven

I can't wait anymore”

E do limite surgem luzes que anunciam uma empresa de combustíveis. E os cavalos do potente motor refreiam-se violentamente na ansia da sede por hidrocarbonetos. Um ligeiro chiar de pneus e as violentas reduções na caixa de velocidades. O corpo preso pelo cinto projeta-se no vidro e retorna. O veículo entra na área de abastecimento e estaca junto a uma bomba. “Quero beber um café!”. Olhou para ela e sorriu. Saíram ambos do carro, ela para satisfazer a sede do motor, ele para lhe satisfazer a sede, qual delas a mais árida.

Depois do café Anne insinuou, “Vou à casa de banho!”, “Eu vou contigo…”. Pelo caminho um pequeno involucro transparente com pó branco trocou de mãos. Minutos mais tarde o BMW voltava á estrada sedento do tracejado. “The Fall”, Mark E. Smith cospe as palavras de encontro ao asfalto e Paulo perde a noção do tempo. Anne, a alemã que lhe dá boleia e o traz de volta a Portugal, não lhe percebe a abstração. Anne ainda não tem trinta anos. Anne é viciada em adrenalina. O pai de Anne é um executivo de uma empresa alemã e está temporariamente em Portugal. Anne costuma rir-se quando Paulo lhe diz que o pai dela é um vampiro. Anne gosta da irreverência do Paulo. O Paulo gosta de todas as Annes.

O BMW atravessa o rio Tejo pela ponte do Vasco. A velocidade reduziu-se mas continua elevada. “Hoje vou dormir a casa da minha mãe…”, Anne sorriu, “Sim?...”, ” levas-me a casa?...”, “Não sei.”, “Não sabes?...”, “Onde é que mora a tua mãe?”, O Paulo sorriu, “Segue sempre em frente.”.

Estacionaram junto a um velho edifício de três andares. “É aqui?”, “Sim!”, “Fico contigo?”, “Se quiseres…”, “E a tua mãe?...”, “Vai ficar contente de me ver…”.

Mesmo sendo um ato repetido, a sensação de voltar a casa da mãe rejuvenesce-o. O sol estás prestes a nascer quando ele toca a campainha. Espera um momento e volta a tocar. Anne espreguiça-se, “Não é melhor voltares mais tarde?”, ele insiste na campainha, ela ajeita o cabelo e procura a sua imagem no reflexo do vidro da porta de entrada, “Vamos comer…estou com fome.”, a campainha volta a tocar…Uma voz estremunhada responde no intercomunicador “Quem é?”. “Sou eu mãe!”.

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