2012-08-28

Um encontro a dois

Jó vive num quarto alugado. Foi a filha mais velha quem tratou de tudo, é ela que paga a renda. O quarto é pequeno e privado de comodidades desnecessárias, assim ele o desejou. Tem uma cama de casal e duas mesas-de-cabeceira. Aos pés da cama uma secretária e uma cadeira compõem o mobiliário. Na secretária um portátil, uma pequena aparelhagem compacta e uns headphones. Livros só na mesa-de-cabeceira do lado direito, o lado ocupado da cama. Desde que se encontrou com Pedro ainda não conseguiu dormir duas horas seguidas, deixa-se estar na cama de olhos fechadas esperando vencer o corpo pelo cansaço. A imagem de um Pedro velho e abatido, rendido, mais que convencido, às suas ideias, deixaram-no de rastos. “Eu sabia que devia ter falado primeiro com o Duarte”. Não acreditava que fosse o Pedro que ele tinha visto a convencer o “PP”. “E o raio do Duarte que não me atende o telefone, será que o contacto que me deram está certo.”, São estes os pensamentos de Jó naquela manhã, depois de mais uma noite mal dormida. Fossem outros os tempos e a insónia teria degenerado em bebedeira. Passou a noite a escrever e revê os papéis rabiscados à mão quando o telemóvel toca. Teve que estranhar o som até se aperceber do telefonema. “ A minha filha? A estas horas? Raio da miúda está mesmo preocupada comigo.”. Levantou-se da cama e dirigiu-se à secretária onde o aparelho continuava a vibrar, aborrecido pelo desprendimento do dono. O número não lhe era conhecido, mas para Jó todos os números eram desconhecidos. Ainda ficou parado uns instantes até se lembrar do Duarte. “E se fosse ele?”. Este pensamento fê-lo levar o telemóvel de forma violenta ao ouvido e gritar, “És tu Duarte?”. Não era o Duarte, mas sim uma amiga do Duarte. Ele fez-lhe prometer que lhe daria um recado. Parece que a miúda tinha ficado desconfiada pelo facto do Duarte não atender o telemóvel e agora que o apanhava distraído tentava tirar umas dúvidas. Ele não estava em casa, chegaria por volta da hora de almoço e ela jurara entregar-lhe o recado. Teria de esperar. Pelo menos uma coisa era certa, o número não estava errado.


Tomou um banho, fez a barba e decidiu sair. Ainda era cedo e se ia esperar pelo telefonema do Duarte o melhor era fazê-lo na rua. O apartamento onde morava pertencia a uma amiga da filha, uma empresária de moda que passava o tempo fora mas que queria ter um lugar para voltar sempre que regressava a Lisboa. Isso não o preocupava pois estava convencido que a situação seria temporária, também por isso a amiga da filha lhe tinha alugado o quarto. O apartamento ficava junto ao rio na zona da Expo. O facto de ter o rio por perto tinha-o convencido. Costumava fazer o percurso a pé até entrar em Moscavide onde tinha escolhido um pequeno café, que também servia refeições, para almoçar e jantar. O café era acolhedor, gerido por um casal de transmontanos cinquentões que o tratavam como família embora só o conhecessem há pouco tempo.

Hoje não foi diferente e ainda estava a acabar uma meia dose de cozido á portuguesa quando o telemóvel voltou a tocar. Controlou a ansiedade e atendeu de forma natural, “Quem é?”, “Sou eu, o Duarte. És tu Joaquim?”. Duarte sempre o tratara por Joaquim, era o único dos amigos que o tratava assim e o único a quem Jó o permitiria. “Sim sou eu.”. Houve um silêncio, “já há muito tempo que não te ouvia.”, “Tenho tentado falar contigo.”, “Eu sei, a minha amiga disse-me.”, outro silêncio, “Posso encontrar-me contigo?”, “Sim.”, “Pode ser hoje?”, “Pode. Está tudo bem contigo?”, “Está.”, silêncio, “Olha eu vou tocar esta noite num bar em Sintra. Queres aparecer por lá?”, “Pode ser…”, “O nome do bar é o Retiro de Jazz, não fica longe da estação.”, “Tudo bem…”, “Queres que eu te vá buscar?”, “Não…Não é preciso.”, “Então está combinado, aparece por volta das onze. Eles têm sempre uma pequena mesa para nós, ficas a conhecer a banda.”, “Por mim está tudo bem…Obrigado Duarte!”, “Qual é a tua Joaquim? Vá, um abraço e até logo”.

Jó desligou o telemóvel. Não se tinha enganado. Só o Duarte poderia fazer deste lapso de anos, uma breve ausência.

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