2012-08-14

Do sofrimento

Do sofrimento e da angústia sei o quanto basta a quem vive. Aprendi a dor com a doença, a saúde que me traiu quando quis ser criança, a asma que me tirou o ar, que me roubou o folgo para corridas na rua e me abriu portas nos hospitais para refeições de oxigénio.

Quando da dor já sabia e treinado estava para acalmar o peito, aprendi a inquietação. No peito o coração mostrava-se, comandava os sentidos. Esse primeiro amor, tantas vezes escrito, recordado para sempre com a saudade do que é primeiro, foi a inquietação, também desilusão. Com ele aprendi a cobardia de quem não se revela, a rejeição assumida. Aprendi que com falta de coragem não se sabem as respostas.

Da insónia tive conhecimento mais tarde. Não dormir. A noite apresentou-me o medo, medo de mim, medo de estar sozinho, medo de não me bastar. Ficou esse medo registado em palavras angustiadas, insuficientes, porque poucas sabia para representá-lo.

Da escola outras aprendizagens. E quando a escola acabou, ou quando eu decidi acabar com ela, o sofrimento e a angústia não eram mais que pequenos objetos pairando no meu universo de sonhos.

A morte. A morte de um ente querido, progenitor ventral. A morte fez-se sofrimento em mim e esse sofrimento foi crescimento, maturação de personalidade. Fiz-me no desgosto e renasci dele.

Sempre vivi de incertezas, sempre as tentei combater. Hoje sei que viver é uma incerteza, a mais bela de todas.

Hoje penso que não me foi dado o verdadeiro conhecimento do sofrimento. Há quem diga que não sei sofrer, sentir a dor invadir o meu espírito, entregar-me aos delírios do desespero, chorar a raiva do que não tenho, roer-me de inveja do que imagino ser a boa vida dos outros, sentir as dores lancinantes amplificadas dos meus pequenos ardores. Há quem me ache insensível, imune ao dia à dia de misérias, escondido na minha boa disposição que alguns consideram exagerada e outros, uma extravagância parva e sem sentido. A isto chamo eu envelhecer. Não sou o que fui nem serei o que sou. Afirmá-lo seria negar o futuro. Não estou preso a coerências estéticas. Existe um fio condutor, sim existe um fio de onde saem outros fios com nós na ponta.

Vivemos tempos difíceis em Portugal. No Mundo sempre se viveram tempos difíceis. Hoje, mais uma vez, chegou-nos o fado, o destino que não comandamos. Parte desse destino tem nome mas não ousamos pronunciá-lo.

Ao sofrimento vou-o medindo, temperando com doses de felicidade, com doses de coragem aprendida. O meu verdadeiro sofrimento será a minha desistência, acreditar que nada do que fiz valia a pena.

Este texto é uma mensagem pessoal mas, acima de tudo, uma mensagem de esperança na minha garrafa virtual.

P. Guerreiro, Vila Nova de santo André, Portugal

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