2012-08-17

“NÃO!” A BANDA:

Vocalista e guitarra ritmo: Jó “Tristezas”


A paixão é algo avassalador tenha ela o que tiver como objecto da sua existência. Existem os que se consomem em sentimentos amorosos, os que só sentem a vida quando são livres, os que entregam toda a sua atenção a objectos, sejam eles carros, casas, ou simples adornos corporais, os que levam as suas ocupações preferidas a um estágio superior de amor e ódio.

Seja como for a paixão é capaz de provocar dor e sofrimento sem limites assim como também é capaz de proporcionar momentos de intenso deleite, torpor paradisíaco em que se imagina ficar eternamente num estado de graça, orgasmo continuado, parado para sempre no momento em que se atinge o auge. Para quem a sente não existem limites, tudo é permitido desde que se obtenha o objecto apaixonado. Não se escandalizem quando falo em “objecto”porque para o apaixonado tudo se torna “objecto”, o próprio “objecto” só existe porque ele o deseja.

Não fosse a paixão tão destrutiva e eu diria que o Jó “Tristezas” era um apaixonado sem cura. O Jó “Tristezas” já era entrado de idades, já lá iam os cinquenta e os sessenta não andavam longe. Não se lhe conheceram amores, nem femininos nem masculinos, amizades, muitas mas nenhuma definitiva.

Mas nem só os amores produzem filhos. Jó tem duas filhas. A Joana, a mais velha, tem trinta e dois anos. A Joana venera o pai. Tudo nela é antagonismo em relação ao progenitor. Ele não estudou, ela acabou a faculdade, ele não casou, ela casou e não tem filhos, ele despreza a autoridade e ela nunca a contrariou. Catarina, a segunda filha de Jó, não partilha a mãe com Joana. Catarina é parecida com o pai e talvez por esse facto não suporte a sua presença. Catarina tem vinte e quatro anos, tem dois filhos e é solteira. Catarina é atriz e é incapaz de se calar.

A única paixão de Jó é o Rock. Por ele deixou mulheres sem as conseguir amar. Por ele deixou empregos e segundas opções de vida.

Jó é magro. Tem um metro e oitenta de altura que sustentam setenta quilos de músculos e ossos. Não se lhe conhecem gorduras. Os olhos são negros e o cabelo grisalho sempre lhe cobriu os ombros. Os lábios são finos numa boca demasiado grande para o rosto alongado. O nariz é demasiado pequeno num rosto moreno de contornos vincados.

Jó cortou o cabelo e deixou-o com um centímetro de altura. Jó parece um homem acabado de sair do presídio após trinta anos de reclusão. As calças de ganga estão-lhe largas e a T-shirt também.

Jó começou a escrever…

“Quem não trabalha não tem pátria,

Isso não me podem roubar.

Quem trabalha está a prazo

Num país por acabar.”

Jó vai telefonar ao Duarte, o homem das percussões.

(continua)

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