2021-03-22

Lugares sagrados (As Pedras Brancas)

O carro sai da estrada de asfalto e segue por um caminho secundário de terra batida. Afasta-se da via principal envolto numa nuvem de poeira. Dirige-se para uma pequena mata na orla do Grande Pinhal. O Grande Pinhal é um lugar de redenção, simultaneamente adorado e temido como acontece a muito do que é sagrado. O carro imobiliza-se junto a uma clareira na qual jaz uma pedra branca.  A pedra tem a forma de meia esfera com um metro de raio e ocupa o centro da clareira. Do carro saem quatro pessoas que circundam a pedra. As sombras são quase inexistentes o que num dia soalheiro indicia a proximidade  da hora que divide o dia ao meio. As quatro pessoas colocam-se de forma equidistante ao redor da pedra. O grupo não é homogéneo sendo composto por dois homens e duas mulheres de idades e raças distintas. Dos dois homens um é jovem, de raça negra, feições angulosas e cabeça rapada. É muito alto e o fato negro que enverga fica-lhe justo e mal lhe esconde a compleição atlética. O segundo homem é o seu oposto. É branco, baixo, de idade avançada, o cabelo fraco e ralo cai-lhe sobre os ombros e a cabeça revela uma coroa generosa de pele alva ligeiramente corada. Também veste um fato negro que lhe faz sobressair o abdómen proeminente, indicador de uma sedentariedade bem consolidada. As mulheres são ambas elegantes e os seus vestidos, também negros, emprestam-lhes um ar de dignidade aristocrática. Têm mais ou menos a mesma altura e esta é mediana no que toca à estatura feminina. As diferenças revelam-se na sua idade e origem racial. Uma, muito jovem, tem traços vincadamente asiáticos e o aspecto frágil de uma boneca de porcelana, lábios finos, nariz pequeno e ligeiramente arrebitado, orelhas bem desenhadas que os seus cabelos, de um negro profundo e apanhados atrás da cabeça, fazem sobressair revelando uma proporcionalidade quase perfeita. A outra mulher é caucasiana, muito branca, maçãs do rosto salientes e bastante coradas. Os olhos são como o reflexo do mar num dia sem sol. O azul acinzentado que apresentam contrasta de forma peculiar com a suas faces coradas dando ao conjunto uma sensação bizarra que tanto pode ser de afectuosidade como de frieza. O seu cabelo loiro exibe algumas cãs que não se distinguem sem uma observação cuidadosa. 
No seu conjunto e observados à distância todas estas diferenças se diluem e o que sobressai é o contraste negro das suas roupas e a alvura da pedra que eles cercam. O Grande Pinhal por detrás apresenta-se como o toque decorativo num cenário de teatro e só vem realçar a estranheza da situação. Poderia dizer-se que o Grande Pinhal, com toda a sua carga esotérica, estaria a validar os actos deste grupo tão peculiar mas, com um olhar mais atento, percebemos que também ele é testemunha e, tal como nós, não tem poder sobre a acção que se vai desenrolar.
  Durante algum tempo as quatro figuras negras deixam-se ficar estáticas, braços caídos ao longo do corpo, cabeça levantada em direcção à pedra. Num repente e de forma simultânea, aproximam-se da pedra. Primeiro com a mão direita, depois com a mão esquerda, deixam que estas repousem sobre ela. Após breves segundos de contacto a pedra eleva-se, ligeiramente e sem ruído, do solo.
Tão simultâneamente como as colocaram, as quatro figuras negras retiram as mãos e afastam-se até à posição inicial. A pedra mantém-se suspensa durante algum tempo. Depois, silenciosamente, eleva-se até que a sua alvura se confunde com a luz do sol e desaparece no céu. Nenhum dos participantes desviou o olhar para observar o fenómeno. Voltam ao carro fazendo o trajecto contrário até à estrada asfaltada. O carro afasta-se em velocidade moderada até desaparecer no horizonte luminoso que faz de cenário a este dia de verão.

Sem comentários: