2023-09-16

Por cada tremor um beijo na testa

 Já fui a muitos casamentos e a aniversários mas, este último ano, não consigo olhar para eles sem pensar que irão ser os últimos. Ontem o meu irmão M... fez anos e convidou-me para um jantar em sua casa. Eu e a D... saímos tarde do trabalho e estávamos ambos muito cansados. Recusar o convite do meu irmão estava fora de questão mas, para não variar, estava receoso de como iria aguentar tantas horas a uma mesa, visto que, os jantares do meu mano são sempre bem regados, com muita conversa e sem equipamentos electrónicos ligados. Também para não variar, tudo correu bem. Acabei por ficar até à meia-noite e passei umas horas muitíssimo agradáveis junto de pessoas amigas e de conversa fácil. Como cereja no topo do bolo tive a presença da minha filha que chegou, vinda de Lisboa, por volta das 22H.

Hoje de manhã disseram-me que a terra tremeu ontem à noite, 3 e meio na escala de Richter segundo o Telejornal, ou terá sido a D...? Não dei por nada e dormi que nem um anjo. A terra liberta-se de tenções com pequenos aconchegos no seu corpo. Enquanto assim for a coisa não está mal. Já eu só consigo acumular tensões. Em mim os abalos são sempre superiores a 7 na escala acima referida. Olho para o meu corpo e os estragos são evidentes, não há operações de resgate que consigam salvar alguma coisa. Ontem bem que o Moisés farejava nos meus escombros algum sinal de sobrevivência. Bendito animal de olhos tão meigos, negros como o pelo, negros como a noite onde adormeço e sonho. Não sei se sonhei contigo mas, se o fiz, de certeza que te abracei.

"Ó Doutores da medicina/Sacerdotes de Hospital/Guardem de mim memória/Por este amor tão fatal", assim começa um poema que fui encontrar numa prancheta, no meio da papelada técnica, lá no trabalho. Para dizer a verdade, não é assim que ele começa, mas é este o refrão. Está desatualizado, e é tudo o que tenho a dizer sobre o assunto. Bem, devo acrescentar que estou pensando utilizá-lo numa canção, no fim de contas escrevi-o com esse propósito. Haja tempo, paciência, mãos e necessária quantidade de prazer para o fazer.

Estou a ouvir Albert Wynn & His Gut Bucket Five. Jazz & Ragtime, Chicago entre duas guerras mundiais. Qual a razão para tal referência. Talvez porque, passados cem anos, também vivemos os nossos anos vinte, com os nossos devaneios, a nossa procura de divertimentos que nos façam esquecer  o futuro incerto, o nosso consumo de substâncias que nos ajudem a suportar a ausência de respostas. Limitemo-nos animais, sonhadores de impossíveis e, já que não nascemos com o dom da loucura esquizofrénica, que abre o mundo à genialidade, contentem-nos com a química que a finge.

Se tenho mais a dizer? Tenho sempre tanto para dizer. Poderá ser irrelevante, sim, claro que sim, mas, dentro da minha irrelevância, será sempre o que de mais relevante tenho para dizer. Que cena mais egocêntrica para exteriorizar mas, neste momento, eu sou como um barco em alto mar, sempre à procura do equilíbrio certo para não naufragar. Às vezes permito-me distrações mas, não podem ser prolongadas. A brincar, pode dizer-se que vivo por turnos; haverá sempre, dentro de mim, alguém em vigília. Porque não uso eu substâncias geradoras de genialidade e desassossego, de bem estar e adormecimento, de sensual felicidade e corporal necessidade? Porque tenho medo de não me reconhecer.

Domingo vai longo, cá por estes lados, e a tarde onde navego, tem rochedos encalhados.

Domingo vai cheio, cá por estas bandas, e o barco onde navego, não tem janelas nem varandas.

Que dizes tu, barcos sem janela e sem varandas? Bem, eu da arte de navegar só sei mesmo é do balanço do mar e da brisa que sopra no ecrã do portátil. Retirem-se as janelas, deixem-se as varandas. Coloque-se um vaso com cravos vermelhos...e não me façam mais perguntas.


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