2007-01-16

Durante o sono…

No dia à dia, nas noites que os separam, o dia, do dia. Em todos os instantes, suplicantes do impossível, pedintes do improvável, com pena de si e da vida guardam as portas, as de entrada e as de saída, cada coisa no seu lugar. Para além do torcer a maçaneta, do empurrar da madeira existem fins de séculos, fins de milénios, acontecimentos apocalípticos, génese de algo, códigos que são o que são…E o leite no copo pela manhã, o dedo sujo de manteiga…Na tua mão…Meiga. E tu frágil de remorsos egoístas…Não! Não posso sentir por ti, posso fazer um esforço, uma tentativa, uma aproximação, até posso fingir!...Mas sentir?...Não!
Foi no dia em que nos chamaram “fascistas”? Ou seria “comunistas”?
Transparente, talvez translúcido, entre a ausência e a sabedoria, nos opostos que nós fomos, nesse desassossego da conquista, quando acreditamos que podemos possuir pessoas…E não é verdade. Não se possuem pessoas…Eu não te consegui possuir…Pergunto que horas são e o que isso significa, de pecado, de miséria, de esperança, de sorrisos, dos bons e dos maus, de tudo o que faz o teu gesto, esse delicado mecanismo, piano de luxo em noite de estreia. Sempre o pecado, a pequena vingança, presos do que prometemos a nós próprios, pela nossa honra…Amanhã não há hora de saída. No espelho já não estou todo…Como um todo…Perdi algumas partes…Faltam-me bocados…Fragmentos de ti…De ti quando eras em mim…Tudo…
Que tal voar um pouco…Entre dois trapézios de gaiola…Fugiste?
Larguei a mecânica no parque. Vou subir…O prédio é novo…O elevador espera por mim, convidativo, de portas abertas, demasiado abertas. Estás em casa? Eu quero que tu estejas em casa…Fui pelas escadas ou pelo elevador? Já não me lembro, foi tudo tão rápido …Cheguei a dizer que te amava?...Quem era o outro? Cheguei a saber o nome dele?
Não posso entrar…Alguém no meu lugar…Lembras-te das torradas que eu te fazia? E do café com leite? Lembras-te de mim a pegar na cafeteira, a acender o fogão, a pôr a mesa?...E o sol? Lembras-te do sol…A entrar…Morno da manhã, sem forças para queimar?...O bem que me fazia poder ser gentil para ti, agradar-te…Alguém no meu lugar…
Estou sozinho em frente a uma porta…O mundo da Alice, sem coelhos, sem o homem do chapéu, sem a rainha de copas…Apenas o túnel…O escuro que me separa do deserto…O voo desnorteado, as razias vertiginosas, eu próprio o animal, voando sem asas e depois a queda…A queda sem fim…Um travo de morte na garganta…Um silvo agudo, guincho do diabo…O corpo suado na cama…A mulher ao lado…Bela como sempre…Malditos pesadelos…


Nota do autor:
Este sonho perseguiu-o e refinou-se até ela o deixar…foram necessários doze anos…
(Ficção)

3 comentários:

Titá disse...

Caramba, como está intenso, sentido, emotivo este texto. Lembra-me algo, não me lembra nada, so sei que o senti e me emocionei muito, muito...e senti tanta saudades tuas que até doeu o peito.
Um beijo tão grande meu irmão que sufoques com a nossa amizade

Elsa Sequeira disse...

Olá!!!

Lindo o texto! Lindo a forma como nos foi dado...lindo! Lindo!

Parabéns!!!

:))

Isabel disse...

Sabes que és um escritor não sabes?

Espero que saibas porque se não souberes vou-to repetir até te vencer pelo cansaço.

a espera, a ausência, a saudade, a esperança, o aperto no peito, a solidão, o cheiro que não está mas ficou, o vazio cheio de memórias, o medo das lembranças e o pavor de as perder, a dor, o cansaço, o passado, o presente sem vislumbre de futuro, o frio, o calor que já não esta mas se sente e anseia ainda, e mais muito mais tudo isto esta si ...nesse texto nessas palavras e quem nunca viveu isso ( como eu) viverá através de ti.

Isso meu amigo é ser escritor.

Até breve.

Isabel