2007-01-25

A Lagoa I

A lagoa está serena. À sua volta terras encharcadas e o mar. O mar de Inverno, ruidoso, trovoando a noite inteira, batendo na areia. Praia sem rochas, em cunha para dentro de água. De manhã a calma, o sol que roda baixo, o azul intenso, frio, a lagoa fica bonita…
Aquele pedaço de líquido espalhado pela areia, tem um contorno atraente…
Sempre se ouvira falar de rituais, de pessoas que se juntavam e que deixavam rastos, cenários satânicos no meio do pinhal, nas encruzilhadas das picadas, junto a casas abandonadas. Entre brincadeira e realidade havia quem acreditasse que as águas dessa lagoa eram milagreiras. Era gente da região, pessoas desiludidas da medicina, outros sem posses. Também os havia a acreditar por convicção profunda, fé no local, no nome, no nome de santo.
O jeep da GNR percorre lento a estrada que corta a várzea. Sobe junto às bombas, contorna rotunda e desce em direcção à lagoa. O motor a gasóleo, cansado de tantas patrulhas, tem um trabalhar velho mas de confiança. Dentro do carro estão dois soldados, uma mulher, um homem, ela conduz. Vão em silêncio. Ele olha distraído para um pequeno grupo que vai em direcção à lagoa, mais ao longe outro grupo vem na direcção oposta. Não têm mais que dez elementos cada, nunca têm mais que dez elementos, mas chegam a ser vários grupos. Não há desordens, apenas o entrar dentro de água e molhar o corpo, ninguém o faz nu e há até quem o faça totalmente vestido. Ouve-se o chapinhar, o gemido, o arrepio, o murmúrio, o lamento, rezas à nossa senhora e ao santo. As autoridades estão atentas e as rondas tornaram-se mais frequentes. Eles, cada um por si, relembram as ordens no posto, “…Mostrar presença sem intervir…”, ela vai com atenção à estrada, a terceira metida, devagar, “Às vezes é tão difícil andar devagar…”. Viram à esquerda, por um atalho ladeado de pequena vegetação, em frente e antes do areal que precede a lagoa, atravessam um pequeno pinhal, não mais que vinte árvores. Pensam no outro pinhal, o que fica a sul, e instintivamente movem o olhar na sua direcção. Sentem-no ao longe, uma massa verde escura, com vida, “De noite é pior!...”, ela disse-o, ele confirmou-o com gesto de cabeça, ela não viu o gesto mas sabe que ele sente o mesmo. Saíram para campo aberto. Do lado norte três pessoas em fato de banho mergulhavam na água. Meteram por um trilho de areia, redutoras ligadas, segunda metida, um serpentear ao longo da margem até um segundo trilho que os desvia de lá e os obriga a contornar duas casas velhas. Mais um pouco e estão no extremo norte. Só as palavras fazem o trajecto rápido, na realidade demoram cerca de meia hora a fazer o percurso. As três pessoas que se banhavam já se foram embora. Agora, do lado sul, um grupo um pouco maior começava o ritual. Orações, rezas, meditações, cada um à sua maneira, evocavam poderes ocultos naquelas águas tranquilas. Tudo começara em oposição ao lado negro que se acreditava existir no enorme pinhal. O que lá se fazia, só à noite era feito e de forma bastante furtiva. Por três vezes já tinham perseguido luzes que pareciam de fogueira. O resultado teve variantes de cálculo mas foi sempre negativo. Da primeira atolaram o jeep, na segunda desistiram após uma hora de gato e rato, da terceira vez iam tendo um acidente grave, “Quando alguém os quiser apanhar faz-se a coisa a sério…Com mais homens!”, foi o desabafo nessa noite. Era mais fácil apanhar contrabandistas. No fundo todos tinham receio, mesmo os descrentes não se sentiam à vontade. No posto todos tinham histórias semelhantes.
Mas hoje a patrulha é de dia e estão a acabar a volta ao lago pelo lado este, no oeste está a praia que o separa do mar. Metem pela estrada de volta à vila. “Tenho fome!”, foi ele que o disse, “Queres que eu pare aqui?”, “Não vale a pena, paramos na vila.”. Ela acelerou um pouco, para chegar mais depressa e para contrariar a moleza que a volta à lagoa lhe tinha provocado. Abriu um pouco o vidro e gracejou “Já estou farto de te ouvir!”, ele respondeu, “Não estou nos meus dias”. De repente e após uma lomba um homem atirou-se para a estrada e obrigou-a a uma travagem brusca.


(Ficção-cont.)

3 comentários:

Anónimo disse...

Fico a aguardar a continuação...
Um abraço.

Elsa Sequeira disse...

Olá Paulo!!

Voltarei para ler com mais calma, mas estava a gostar!

Vou-te linkar!


beijinhos!!

:))

pb disse...

Gostei do conto primo, fico a aguardar a continuação, deixo-te um abraço