2007-08-14

O Automóvel

Automóvel, viatura, carro, bólide ou então a marca, “Eu tenho um Mercedes.”, “Eu tenho um BMW.”, “Eu tenho um Fiat Uno em segunda mão”. A personagem de quem vou contar este episódio trata o carro por “O meu carro”, para os amigos o seu carro é “O chaço do Zé.”. O Zé tem um carinho especial pela Toyota Corolla 1200 station, cor de vinho tinto, herdou-a do pai. Junto com a carrinha veio também o apartamento na Damaia e uma série de bugigangas que lhe causaram grande sentimento de culpa, como escolher o que deitar fora de entre os pertences de um pai morto. Sem dinheiro para remodelar a casa aligeirou-a de tudo o que precisasse de muita limpeza. Ainda hoje recorda com imensa tristeza esses dias em que as coisas iam e vinham para dentro de grandes caixas de papelão, cortesia de um vizinho dono de uma pequena loja de electrodomésticos na Amadora, objectos que se demoravam nas mãos, primeiro uma ligeira lembrança, estava com a mãe, com o pai, depois o local, Portimão, a hora do dia, talvez meio-dia, antes do almoço de certeza, comeu à pressa para lhe poder mexer, aquela jarra branca cheia de ramos verdes e flores, parecem rosas, são rosas. Já não tem essa jarra, partiu-a a dona Chica, Cabo-Verdiana forte e de temperamento instável que lhe limpa a casa uma vez por semana. Para o Zé a casa não é importante, também não se pode dar a grandes luxos. Tem o essencial para os padrões normais de vida num apartamento, máquinas para lavar, a roupa, a loiça, máquina de frio, aspirador, ferro de engomar e uma televisão. Também tem um leitor de cassetes VHS que ainda funciona, muito embora o aspecto do aparelho indiciasse outra constatação. Além destas essencialidades também tem uma cama, uma mesa-de-cabeceira, uma pequena escrivaninha, uma cadeira, isto no quarto. Na sala o móvel da televisão, contraplacado à vista por detrás da fina capa a imitar pinho, um sofá que com boa vontade albergaria quatro pessoas não anafadas. Na cozinha uma mesa, seis cadeiras, número exagerado para o uso diário. Só uma se mostra usada, prova que o Zé é homem de hábitos e rotinas e escolhe sempre a forma de utilizar os mesmos objectos, passava-se o mesmo com os garfos, as facas, os pratos, os copos. Da sala pode ir-se para outros dois quartos, o quarto do pai que ficou na mesma desde que este morreu e outro, mais pequeno, atravancado de estantes cheias de livros, o vício do Zé, a leitura.
O Zé é António, podia ser Tó-Zé mas não é. É António José Maria Cardoso, António porque o avó paterno era António, José Maria porque sua mãe era devota a Cristo, o Cardoso também é do avó paterno, que assim sendo tem a primazia do baptismo. Quis o destino que António Manuel Cardoso nunca tenha conhecido o neto. Foi Miguel Cardoso, pai do Zé, que assim prestou homenagem à memória do progenitor. Mas que interessa o nome, interessa o suficiente para dele contar-mos toda uma história se for essa a intenção. Não é este o caso.
O Zé tem uma paixão, a sua carrinha Toyota Corolla. Aos fins-de-semana, faça sol ou faça chuva, planta-se com a sua carrinha num local perto do mar e desfruta do prazer da leitura durante horas. Baixou os bancos de trás de modo a só poder transportar mais um passageiro. No banco do passageiro encontra-se um amontoado de livros. O motor da carrinha está afinado, a carroçaria não apresenta mazelas, a pintura está em bom estado, os interiores estão cuidados, gastos mas cuidados. Desde os seus oito anos que aquela carrinha é o seu meio de transporte, o seu automóvel.

(Cont.)



P.S. A história que agora começei pode ou não ser original, tantas são as palavras que já foram escritas, uma coisa eu prometo, não a copiei de ninguém embora me tenha inspirado num pequeno conto de nome “O Capote” escrito por Nikolai Gogol no século XIX que situou a acção na cidade de São Petersburgo

3 comentários:

pb disse...

Olá primo,tenho andado algo afastado das leituras da net, falta de tempo, falta de net, falta de...hoje decidi-me a vir e ler todos os cantos que costumo ler, encontrei aqui mais um conto teu que pela introdução se me afigura muito promissor, fico a aguardar a continuação, deixo-te um abraço

Isabel disse...

Gostei do inicio deste teu conto,já tem a tua marca, aquele não sei o quê que eu tanto gosto e acho que me faria já reconhecer a tua escrita em qualquer lado.
Eu sou nalgumas coisas tipo Zé, não ligo a carros, nem a casas, nem a mesas, sofas, cadeiras. Gosto de viajar, gosto de sitios, gosto de ver as histórias desenrolar à minha frente, gosto das gentes, dos cheiros, dos sabores, do toque, do abraço, agarro-me aos objectos porque me trazem à memórias as histórias, porque me deixam reviver e criar cenários, os meus objectos são artezanato, caixas, caixinhas, velas, pinturas, colares e pulseiras, roupas, novas ainda por usas, outras velhas e que não largo, livros, garrafas vazias, sei lá... são as minhas maluquices!
Vim de viagem e estou para ir de novo no fim do mês, vou de novo para um local que me apaixonou porque me senti em casa... eu que de facto até há pouco tempo nunca me tinha sentido em casa.

Continua, vou seguir de pertinho o teu conto.

Isabel

Elsa Sequeira disse...

Gostei de te ler Como sempre!!!

Agora convido-te a JUNTARES AS TUAS MÃOS...POR UMA CAUSA!!!

Bj