2006-08-30

Um conto em três páginas (b)

2ª página

Não chegou a responder-lhe…Sentia-se contrariado naquele restaurante, todo ele etiquetas e regras, gente de estatuto repousava por entre mesas e cadeiras sem levantar a voz, apenas um murmúrio comum a todos eles. A refeição foi lenta e muitas das perguntas que trazia guardou-as para mais tarde, era óbvio que o professor não estava interessado em falar no assunto. Mas não comeram em silêncio, Adamantino Gomes, assim se chamava o professor, questionou-o sobre o vinho “Um néctar! Do melhor que o Alentejo produz.”, dissertou sobre vinhas e lagares, seguiu em frente tecendo comentários sobre as tendências sexuais de duas mulheres que jantavam numa mesa ao lado e acabou no futebol, altura em que pediu dois cafés e duas aguardentes velhas, “Da especial!”. O nosso pintor, Leonel Marques de seu nome, estava enjoado de tudo, o seu estômago não estava habituado as estas excentricidades gastronómicas…Minto, desculpem…Do vinho ele gostou! Mas dizia eu que ele estava enjoado, farto intoxicado de todos aqueles cheiros. Suspirou de alivio quando Adamantino pediu a conta. A viagem até casa foi curta. Além do quarto o senhorio deixava-o usar as águas furtadas onde ele trabalhava. Só de dia se via bem, pela excelente clarabóia, de noite duas lâmpadas encaixilhadas faziam um serviço muito aquém do desejável. Entraram devagar naquele lugar quente e saturado de diluentes e tintas. Acendeu as luzes e esperou…esperou, até que…”Sim senhor, fizeste um óptimo trabalho.”, “A sério!?”, “Pelo que tenho de mais sagrado, está realmente muito bom, deste-lhe vida., “A quem?”, “…A tudo…O cliente vai ficar muito contente. Quando posso levá-lo?”, “Daqui a uma semana, mais ou menos…Eu depois telefono-te”, “OK! Se te achares capaz posso trazer-te mais uma foto quando cá voltar, queres?”. Enquanto falava o professor ia mexendo na carteira, contando notas, grandes notas, “Pode ser!...”. Respondeu hipnotizado, recebeu o dinheiro e esqueceu tudo o resto, inclusive as perguntas que tencionava fazer. Foi uma semana maravilhosa, pagou as dívidas e conseguia finalmente andar motivado, sem vergonha, sem medos. Até a dona Laura reparou “Só te falta uma boa mocinha.”, “Deixe-se disso dona Laura, agora é tempo de trabalho, de alcançar um sonho, o meu sonho.”, “Olha que nem só de sonhos vive o Homem, ouve a Larinha que já cá anda há um bom par de anos.”, “Tabém mamãaaa!”, “Não gozes comigo!”, “Um beijo?”. Despediram-se a sorrir.
Essa semana passou, o quadro foi entregue ao professor, recebeu uma nova fotografia e mais uma vez as perguntas ficaram por fazer. Desta vez um canto de um quarto com uma janela. Debruçada sobre essa janela uma figura feminina de costas para o observador. Percebe-se o cabelo escuro ligeiramente ondulado sobre um simples vestido azul de abotoar pelas costas, como nas fardas das meninas do supermercado ou das empresas de limpeza. De qualquer forma é um vestido ligeiramente acima dos joelhos deixando ver umas pernas bem feitas, nos pés uns ténis pretos com riscas brancas. A luz cénica vinha do exterior, pela janela e talvez de uma porta aberta por detrás de quem observa. Os pormenores não eram muitos mas sentia-se inspirado e rapidamente surgiram sinais de que a coisa andava. Não o fez numa noite como o primeiro, perdeu mais tempo, misturou técnicas, preocupou-se com detalhes da mulher, com a luz nos seus cabelos, com a sombra na farda. Ao fim de três dias ainda estava a acabá-lo. Mais uma noite em claro, que raio de mania…Trabalhar de noite.
De manhã e pela primeira vez nesses três dia foi tomar o pequeno almoço na dona Lara.
“Bom dia dona Lara.”, “Bom dia menino. Que é feito de ti que não te deixas ver?”,
“A trabalhar dona Lara, a trabalhar.”, “Queres uma tosta só com queijo e um galão bem quentinho?”, “Pode ser dona Lara…Obrigado.”. Pegou no Correio da manhã que jazia aberto numa mesa vazia e começou a folheá-lo até se deter fixamente na página oito.

6 comentários:

Miguel Baganha disse...

Vi que estavas por aqui e resolvi passar a correr para te deixar um abraço, Guerreiro... tenho muito para fazer e ainda nem comecei, eheh...

Espero que estejas num período mais calmo, com menos trabalho... senti-te meio cansado aqui há uns dias... tens que te dar um tempo!

Bem... vou indo que o tempo urge...volto com mais tempo pra ler o teu conto, ok?

Um grande abraço, Guerreiro!

Um album:
Romantic warrior
RETURN TO FOREVER

Curte fixe ;-)

pb disse...

li-te de trás para a frente...mas gostei, o texto está espectacular, fico a aguardar a parte III. deixo-te com um abraço

Titá disse...

Aii....conta mais..quero ler..fiquei em suspense.
estou a adorar e a saborear cada pedacinho da história....que tinha a página 8???

Anónimo disse...

Ola!!!

Gostaria de saber como faço para incluir um link no seu site? Como faço?

Aguardo.

Jéssica Amaral - Imóveis Curitiba
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P. Guerreiro disse...

Link!? Imóveis!?
Agradeço a visita de uma irmã brasileira e espero que tenha gostado...Quanto ao resto...Isto é o que é, um lugar de leitura, de partilha e para todos os que não se importam com a simplicidade.
Um abraço e não me leve a mal a minha honestidade.

naturalissima disse...

Heheheheh... Desculpa-me, mas não pude deixar de rir. Isto é engraçado!!! A anônima do Brasil!!!

Vim somente deixar-te um beijinho de agradecimento pelas visitas que me tens feito e, desejar-te um belo fim de semana.

Fica bem