2006-08-10

Justiça

Releio as ruas da cidade e observo-lhe os números. Os pares de um lado, os impares do outro, olhando-se de frente, agora vou eu à frente a seguir vais tu. Procuro o número 164, mas podia ser outro qualquer. As lojas mais antigas fecharam e só os cafés conseguem manter a clientela. Junto às campainhas bonitas placas douradas anunciam doutores, dos que curam doenças, físicas e mentais, mas também os há para outro tipo de problemas, os judiciais. Vou no número 145 e decidi atravessar a rua para ficar em sintonia com os pares. Tenho dificuldade em alcançar o passeio ocupado por automóveis tristes do abandono desleixado dos seus donos. Alguns têm as “orelhas” dos espelhos recolhidas, encolhidos no pouco espaço que lhes calhou. A borracha dos pneus forçando o lancil, os faróis tentando alcançar as fachadas dos prédios, em espinha, em qualquer posição, esperando pacientes pela hora de regressar à estrada, para a última viagem do dia, igual à primeira mas em sentido contrário. Cheguei! As escadas são bonitas, de mármores claros transpiram frescura. Ao balcão o homem fardado de uma empresa de segurança pergunta-me ao que venho, respondo-lhe um nome com Dr. antes. Solícito o homem faz questão em me acompanhar até às escadas que dão para o elevador, explica-me que é a terceira porta do lado direito, junto ao escritório do Sr. Arquitecto fulano de tal, “Não tem nada que enganar!”. O elevador é silencioso e transporta-me rapidamente para o piso que pretendo. Ao sair deparo-me com um enorme corredor, sigo as indicações e rapidamente encontro o meu destino. Será realmente o meu destino? Procuro alguém que me explique as leis, que me diga aquilo a que tenho direito, reconheço a minha dificuldade em utilizar o manual de instruções do sistema judicial que me rege. Do outro lado explicam-me o complicado da questão, a lei oferece várias interpretações...Só uma é favorável. E eu que pensava “Ou sim ou sopas”, “Pão! Pão! Queijo! Queijo!”, fico triste e confuso. Para já o que é certo é a justiça custar dinheiro. Quanto mais se paga mais portas se abrem, opções que saem dos livros como por magia, “Esteja descansado que nós vamos encontrar uma solução.”. Não fiquei descansado, entrei com uma dúvida e sai com muitas mais. Procurava um sim ou um não, uma resposta que me fizesse arquivar o assunto, ingénua ilusão, o que têm para me oferecer é subjectivo, acabei por não perceber se tinha razão, se valia a pena. Só descansei quando senti o ar fresco na cara, mesmo misturado com combustível queimado foi o melhor que me podia ter acontecido. Enquanto procurava a entrada da estação do metro ia avaliando as pessoas. Estes servem-se da lei, aqueles são usados por ela, mais ao fundo, alguém no chão pedindo, não sabe o que isso significa. Dizia um governante que o sistema judicial deveria estar mais próximo do cidadão, que deveria haver uma relação de confiança. Hoje eu não senti essa proximidade, essa confiança. Percebi também que o português utilizado nas leis é sinuoso e que os advogados são uma espécie de marinheiros naquele mar de palavras com múltiplos sentidos. Será que tenho dinheiro suficiente para levar isto até ou fim ou será melhor desistir?
Reli as ruas até chegar a casa e parei no número dezassete...O dia valeu pelo passeio....E pela reflexão....

4 comentários:

naturalissima disse...

Olá P. Gurreiro
Adorei este artigo. Está realmente muito bem escrito... Desculap-me não poder coemntar com mais clareza! Hoje tenho a alma amarrotada!!!
Deixo-te um beijinho
Bom fim de semana
Daniela

lo disse...

Olá
pois é a mim tambem me aconteçe isso,quando preciso tirar alguma duvida.
Acabo por sair com montes delas.
mas...
para que não passes o FDS cheio de duvidas deixo te o meu
:)))))))))
eu sei que adoras ele e nunca te deixa duvidas.
beijoooooooo

Anónimo disse...

Tudo aquilo
com que sempre
deparamos e pouco ligamos.
A nossa realidade.
Linda a tua descrição.
Fica bem.

Miguel Baganha disse...

Só existe uma coisa pior do que um advogado: DOIS ADVOGADOS JUNTOS, eheheh....

As férias chamam-me...eu não queria, mas...tenho de ir...além disso,o poeta está sempre a fazer asneiras...

-Ei, Poeta!Mas o que fazes?...sai da água, ainda não fizeste a digestão...

Só pra dar um abraço, Guerreiro
Até breve...

Uma música: " SUMMERTIME "

Boa semana ;-)