2006-10-07

Romançe Poético

Primeiro o Espaço

Do tamanho das estações a chuva chega,
Amarela-se o ar que nos envolve.
Ocre melancolia.

Na manhã que não dormia tudo é húmido.
A cidade transpira,
Condensa nos seus poros as vidas que nela respiram.

Ruas atrás de ruas.
No meio das rectas os pontos de referência,
As margens dos caminhos,
As direcções memorizadas.

O largo abre-se em recantos familiares.
No café a manhã é deserta,
Como quem faz o pequeno-almoço a um filho.
Ontem o filho não dormiu em casa.
O pai que o espera não é seu pai…
E não sabem…A mãe sabe mas não diz.



Depois as pessoas

As cãs marcam-lhe a idade.
O corpo que foi ágil desiste nos embates confortáveis.
A mulher não é a mesma,
Nunca foi a mesma.
Já não o procura,
Mas também não procura os outros…
…Os cheiros que ela trazia…

Tudo por amor,
Um destino sem dor,
Pelo calor nos lençóis…
…Não dorme sozinho…

Feita de traços perfeitos,
Legou-os no ventre ao seu filho.
Mãe adolescente, mãe carente,
Mãe de sonhos desfeitos.

Filho de mãe conhecida,
Conheceu no pai aquele homem.
Ó mãe porquê?...Tantos homens…
Ó pai porquê?...Tu és mãe…



Interlúdio sentimental

Aquele que lhe chamava pai já não existe.
Rendeu-se à distância, à vergonha.
Sim…Sou eu o pai,
Mas ele não quer que se saiba.



Por fim os factos

O assalto correu mal.
Duas balas prostraram-no no chão.
A ambulância demorou uma hora,
O médico legista, três.

O telefone tocava,
Os sedantes, amorteciam.
A voz do outro lado espera.
A mulher dormente não ouve.

Foi o homem que saiu a correr…
…Veio da cozinha…
Foi o homem que levantou o auscultador…
…Tremendo-lhe o gesto…
Foi ele que primeiro chorou,
Para dentro,
De dentro,
Sem sair.

Saíram atrasando os movimentos,
Num vagar de quem não quer…chegar…
Não havia urgência,
Nem urgência teria de haver.
Quem vai identificar um corpo,
Tão depressa não vai esquecer.

Na corrente sanguínea,
Morre o sedativo,
E a mulher que não sentia, sentiu,
E sofreu,
Pelo filho a quem escondeu…O pai!



Conclusão

Foi a morte,
O desgosto,
A sorte,
O destino,
A sensação de solidão,
O acaso genético,
O impulso eléctrico
O dedo feminino de Deus,
O que a fez finalmente,
Amar aquele homem?
Homem que sem ser pai se fez Pai,
De um filho que fez Filho,
E que chorou como se fosse dele.



P.S. Um Poema urbano...De amor! Bom fim de semana e até daqui a uma pausa...

7 comentários:

Titá disse...

Um poema urbano? Um poema de amor...Um homem poema que és tu!
Está maravilhoso!
É a tua alma que consegue tornar o corriqueiro urbano em algo tão belo?
Apreciei o pormenor de separares o poema em cenas, como se de um teatro se tratasse... um teatro urbano, o teatro da vida.

Descansa meu Irmão e volta rápido. Já tenho saudades!
beijos

Vanda disse...

Não. Não estava a morrer, mas tememos a morte...poeque pouca esperança havia...num horizente já sem soluções e na interrogação do como ia ela acordar e se chegava a acordar!

Felizmente a Paula, está de novo do lado de cá! :)


Um beijo e bom fim de semana!


Van

Leticia Gabian disse...

Consegue escrever, como quem tivese uma filmadora, colocando as palavras ao lado das imagens. E tudo que escreve e mostra é tão intenso e forte...!
Não demore a retornar.
Um beijo

pb disse...

passei para te deixar um abraço de bom fim semana

Miguel Baganha disse...

Só pra te deixar um abraço...pausado, amigo Paulo...

Boa semana!

Uma música:" IMAGINE "

( não preciso de mencionar o autor, pois não?... )

Faz-me bem lêr-te...obrigado. ;-)

Fica bem,

Miguel

Titá disse...

Só passei para te deixar uma beijoca.
Inté

Vanda disse...

Grande pausa!


;)