2006-11-02

Dois dias de luta

Passaram vinte dias desde a reunião. As decisões foram tomadas, votadas, testemunhadas em acta assinada. O trabalho, as visitas à fábrica, os serviços mínimos, tudo necessita de discussão. A estratégia é definida com antecedência, os objectivos, onde se pode ceder, o que se pode aceitar. São dois dias de greve, dois dias em que deixamos de ser colegas, no grevista o contracto de trabalho é suspenso, deixa de haver hierarquia, quem manda é o piquete de greve. A greve começou às zero horas do dia dois de Novembro. Quinze e trinta, chove que nem cornos….Foda-se!...Vai entrar às dezasseis, turno da tarde. Na portaria um pequeno grupo discute, trocam-se papeis e opiniões, a fábrica I não parou, a fábrica dois “foi ao chão”, o ponto da situação, não há produto para Aveiras…O Porto parou? Cá em baixo ninguém diz nada.
“Como é que faço? Preciso de picar cartão?”, “Não! Não picas nada. Chegas lá abaixo e avisas a tua chefia.”
Para ele a pergunta é diferente, o costume…Continua a chover, está molhado dos joelhos para baixo, foca-se nas botas molhadas enquanto percorre a alameda encharcada. “Hoje não vou discutir, argumentar, não! Hoje vou entrar, dizer o que tenho a dizer e vir-me embora.”. A água é muita, o céu, escuro de um lado e branco do outro, distribui trovoadas, é impossível ser-lhe indiferente.
Hoje não há beijos nem abraços, apenas apertos de mão, formais, indiferentes. No sector são trinta, na greve ele e mais três…Só amanhã terá a certeza. Comprou o jornal, leu-o no hospital, não viu nada…Bem…Não o leu todo…Seria preciso?...
Não lhe interessa…A greve são dois dias, desta vez só precisa fazer greve, não precisa fazer mais nada…Mas não se sente satisfeito…Continua a chover…
Já saiu, até segunda, “Se precisarem de mim sabem o meu número”, não! Desta vez não estou disponível para horas extras.
Fala-se em oitocentos milhões de euros a serem distribuídos pelos accionistas, dinheiro não contabilizado em lucros nos anos anteriores…Fala-se em investimentos não garantidos, no futuro incerto depois da privatização, fala-se…Nos direitos! Nos deveres!
A estrada adivinha-se por debaixo do manto de água, o tracejado que divide as faixas serve de guia, as bermas não existem, sente o carro deslizar…Hoje não vou ligar a televisão, não preciso das notícias do mundo, hoje preciso descansar…

4 comentários:

Titá disse...

Hoje precisas é de um abraço....daqueles que nos dão energia e ânimo. Vontade de continuar a acreditar que conseguiremos, um dia, mudar algo.

Adorei este post, Mano. Sei bem que o escreveste com o coração e quase consigo sentir as tuas emoções ao fazê-lo.
Beijo e bom dia.

pb disse...

como diz a tua Mana, hoje precisas de um abraço, mas um abraço daqueles fortes. Aqui fica, dentro do virtualmente possivel.

Isabel disse...

Dois dias de luta para ums e depois a apatia de novo.
Uma vida inteira de luta para outros e dois dias de descanço apenas...
Dias para repousar a cabeça e a mente.
Há quem se mate por cansaço sabias? Há quem tente matar-se por estar cansado de lutar todos os dias.
há quem esteja perto de o conseguir e renasça com uma nova força... e lute lute todos os dias... por muita coisa mas principalmente pelo direito à vida.
Livre e digna. Assim devia ser a vida.

Isabel

Isabel disse...

Venho de novo aqui hoje para te pedir que leias a história que comecei a escrever. Tem por titulo: Comecar de Novo. e apenas publiquei ainda um excerto do primeiro capitulo "Carlos".
Se te peço é pelo muito que valorizo a tua opinião e a tua escrita.

Até breve.

Isabel