2006-07-09

Fuerteventura


O Miguel fala com paixão da sua ilha, explica-nos que Fuerteventura não é só areia, é terra, “Terra com outras cores, terra africana”. E realmente assim é, tonalidades que variam do castanho-escuro quase negro até ao amarelo das praias, passando pelas suaves misturas destas duas cores. Mas engane-se quem pensa que a paisagem é suave, só os seus traços nos deixam essa ilusão. Feita de velhos vulcões e caldeiras partidas chegou a ter mais de três mil metros de altura. Hoje, após milhões de anos de erosão não passa dos novecentos metros no seu ponto mais alto, resto de uma brutalidade que só o choque da placa atlântica com a africana podia provocar. É a mais antiga em termos geológicos e isso sente-se. “As Canárias devem a vida aos ventos Alísios”, “Sem eles a temperatura em Fuerteventura estaria sempre entre os quarenta e os cinquenta graus” alerta Miguel. São eles que trazem toda a humidade, incluindo a chuva, para que durante um pequeno período toda a terra se revista de uma frondosa verdura que chega a atingir os dois metros, “paradisíacos os campos de margaridas e papoilas que revestem esta velha terra vulcânica entre Abril e Maio”, depois vem o Verão e tudo seca. “Esta ilha já foi verde, tão verde como a ilha da Madeira.”, fala de mil anos atrás como se fosse ontem…E recua no tempo, fala-me de Hércules e de um dos seus trabalhos, aquele em que foi preciso ir buscar duas maçãs de ouro ao paraíso, a umas ilhas, às Canárias. Fala-me também dos Romanos que trouxeram escravos brancos da derrotada Cartago, e dos cães que com eles vieram para os guardar e obrigar a trabalhar, os mesmos cães que multiplicados em número impressionaram um General Romano a ponto de este lhes chamar ilhas dos cães ou Ilhas Canárias.
Oitenta por cento da população não é de Furteventura, “Houve um êxodo enorme no tempo de Franco”, proibiram o abandono destas terras e para elas trouxeram todo o tipo de marginalizados, comunistas, intelectuais incómodos, homossexuais, ladrões. Isto não evitou que muita da população migrasse para a Venezuela, Argentina, Cuba e outros países da América do sul (a maior parte dos seus actuais habitantes são originários da Galiza da Venezuela e do México, que fizeram a viagem em sentido inverso para trabalhar no turismo). Esta ilha que chegou a ser o celeiro das Canárias está agora reduzida à produção de tomate, devidamente protegido dos ventos por tendas que mais parecem estufas embora não seja essa a sua finalidade. Existem muitas cabras, do seu leite faz-se um dos melhores queijos, premiado várias vezes em Espanha e uma das suas imagens de marca. Também existem dromedários, trazidos pelos povos árabes que dominaram durante alguns anos estas ilhas e que serviam como transporte perfeito num terreno de difícil acesso.
Fuerteventura é a ilha mais comprida do arquipélago, aproximadamente cem quilómetros desde Punta de la Tinosa, no norte, até Punta de Jandía, no sul. É a segunda maior em tamanho com uma área de 1660 quilómetros quadrados. É também a que fica mais perto de Africa. São menos de noventa os quilómetros que separam Punta de la Entallada de Cabo Jubi em Seguia-el-Hamra, Sara Ocidental. A norte Lanzarote fica a dez quilómetros separada por um estreito que não ultrapassa os 45 metros de profundidade. Nesta ilha, além do Saramago encontram-se vulcões activos que nos anos vinte cobriram mais de um quarto da sua área com lava obrigando à evacuação da mesma.
Fuerteventura deve o seu nome aos marinheiros portugueses, que por lá navegaram no século XIV. Assim lhe chamaram devido aos ventos fortes e que fazem da ilha um local de eleição para uma das provas do campeonato mundial de windsurf. Esta prova realiza-se nos finais de Julho, altura em que os ventos são bastante intensos, “Só para profissionais”, garante-me Miguel. A costa Atlântica chega a ter ondas de sete metros e não se aconselha a sua utilização para tomar banho. Por sua vez a costa oriental é onde se concentra a maior parte do turismo da Ilha, sendo a melhor altura (ventos mais fracos) em final de Setembro, princípio de Outubro. Turistas? “Muitos alemães, também ingleses, italianos, espanhóis…Portugueses? Poucos!”.
Miguel é crente, em Deus, nos anjos, nos santos, nos curandeiros…”Uma vez torci um pé e tive dores horríveis, fui a vários médicos que me previram quatro semanas de convalescença. Decidi ir a um curandeiro, pastor de profissão, cego, não demorou mais de meia hora com sebo de cabra e algumas orações.”. Contou-me que o pastor tinha cegado primeiro de um olho, enquanto ordenhava uma cabra e que passados quinze anos outra cabra lhe levou o outro olho. “Hoje tudo é diferente, vendem-se bocados de terra por milhares de euros”, novos-ricos, novas vidas. A urbanização vai avançando, à margem da lei arrasam-se velhas caldeiras vulcânicas para da sua cinza se fazer material de construção (Imagem terrível ver um destes monumentos terrestres partidos pelo meio vendo de lá sair camiões com as sus entranhas). Com um curso superior, obrigatório para se ser guia, divide a sua vida entre o trabalho e o estudo da sua ilha. Aparenta ter cinquenta anos, vividos entre vários países. Tem um filho de quinze anos, da sua primeira mulher (Fruto da sua permanência em Singapura durante três anos), faz esta confissão enquanto afaga o cabelo da minha pequena Mariana, “Já não o vejo há muito tempo…Mas esta vida também tem coisas muito boas…”
Ouviu-o com muita atenção e fotografei…Nenhuma fotografia consegue ser fiel ao relato das suas palavras, “Não existem paisagens feias ou bonitas, apenas paisagens…Tudo depende de quem olha!”, sentenciou-me.
Obrigado Miguel!

P.S. Tanto que ficou para dizer do que me contaram… (sempre falámos cada um na sua língua, por isso talvez haja algumas pequenas incorrecções, mas nada que um bom livro de história e geografia não corrija)

6 comentários:

naturalissima disse...

Bem vindo!
Isto é que foi uma GRANDE AVENTURA!
Aconteceu de tudo. O importante é ter havido bons momentos e que que está tudo bem.

Obrigada pela tua visita e .... claro a ironia da imagem é também para lá imaginares o que quiseres!!! Hehehehehehhe...

Um beijinho e um resto de bom Domingo
Daniela

Miguel Baganha disse...

Concordo em absoluto, caríssimo Guerreiro: A beleza depende de quem a contempla...

" Welcome back, Warrior!!! "

Já vi que o descanso foi produtivo...

Um abraço e boa semana ;-)

lo disse...

Olá
vim até aqui nem me perguntes como
mas...
gostei parabens
:))))
beijoooooo

pb disse...

mas que descrição excelente, aliás, como todos os teus textos.

Um abraço

Ana Luar disse...

Fica sempre tanto por dizer mesmo que a lingua seja a mesma. Mas que a beleza depende muito e quem a comtempla é mais que certo meu querido. Adorei!

Titá disse...

Bem vindos!!! Q saudades!!!