2006-09-13

Primária (E não se fala mais no assunto...)

Na madrugada do dia 25 de Abril de 1974 acordei sobressaltado. A minha mãe não estava na cama, ouvia-a ao telefone. Levantei-me devagar e fui-me chegando. Esperei pelo resto da conversa cujo conteúdo não entendi perfeitamente. Pousou o auscultador sem reparar em mim, entrou na sala de estar e ligou o rádio. Atrevi-me a perguntar “Mãe, o meu Pai?”, abraçou-me e as palavras saíram-lhe num turbilhão, “O pai não pode sair…Tropa à porta da refinaria…Golpe de estado… Revolução…Não te preocupes que o pai está bem!”. Estava com sono e preocupado com o meu pai, no entanto mantive-me em silêncio ouvindo as notícias. Não me lembro das palavras, mas a música era diferente, sim disso eu lembro-me. De vez em quando a minha mãe tentava explicar-me qualquer coisa, repetia as frases do locutor e acrescentava outras, mas para mim só existiam três dúvidas, Quando é que o meu pai volta? O que é um “Golpe de Estado”? Amanhã vou à escola?
Andava na terceira classe. Por essa altura, sentados em carteiras para dois, carteiras de madeira com cavidade para o lápis e aparo e buraco para o tinteiro, estávamos sobre observação continua do Presidente do Conselho, Dr Marcelo Caetano, de Deus, pelo seu filho crucificado Jesus Cristo e do Presidente da República, Almirante Américo Tomás. Só na primeira classe fiquei impressionado. O primeiro visitava-nos regularmente na televisão, sentado num sofá do qual eu sempre quis saber a cor, o segundo só de nome o conhecia e tinha pena de Jesus, daquela sua imagem sempre pregada na cruz, o terceiro lembrava-me vagamente o meu avô e por isso achava-lhe piada naquela farda branca imaculada, uma espécie de capitão Iglo da altura.
Durante a quarta classe e depois das aulas ia distribuir manifestos dos pequenos partidos de esquerda, geralmente à porta da estação. Passei, não interessa como, tive quatro professores em quatro anos e uma revolução de permeio. Lembro-me do nome do meu primeiro professor, Barrocas, do segundo também, Barata, todos os outros se apagaram…
Foi a minha primária, cada um tem a sua e decerto com motivos de interesse, mas por ser a minha agrada-me dar-lhe importância, talvez por isso e ainda a propósito da minha filha, volte a falar no assunto.

P.S. O assunto está encerrado…É uma promessa! Boa semana a todos!

4 comentários:

Miguel Baganha disse...

" De quantos juizos finais é feita a nossa vida? De quantos julgamentos ambíguos sobre verdades incertas? "

As tuas palavras, foram como um tónico para mim... principalmente por ter vindo de alguém que admiro.

Hoje, necessitava que alguém me entendesse( sei que não é fácil ), Paulo...obrigado.

(Gostei de ter voltado á primária...)

Beijos ao teu pequeno anjo, e um abraço pra ti, sábio amigo.

Boa semana!

Miguel

Titá disse...

Trouxeste-me boas recordações. Eu entrei na primeira classe no ano da revolução. O meu primeiro dia de aulas foi: ver retirarem a dita fotografia do Primeiro. Cantámos "uma gaivota voava, voava".
As professoras não sabiam o que nos ensinar, revolucionárias, não queriam seguir as velhas cartilhas, mas também não tinham novas para se orientarem... era o descalabro. Queriam dar-nos liberdade de expressão e informação que nos formava mentes politicas mas muito pouco sociais e a matéria foi ficando por dar...Ainda hoje sinto a ausência dessa aprendizagem e de uma escola primária a sério...
Beijos

pb disse...

bem...o 25 Abril apanhou-me no 2º ano do liceu ( hoje chamam-lhe 8º ano )foi uma festa naquele Pedro Nunes, mas tambem, reconheço que foi um descalabro a nivel educativo...não havia directivas, ninguém sabia nada mas...no fim do ano ninguém chumbou !! Um abraço

PS: a única lambada que apanhei de meu Pai, foi no dia 26 Abril de 1974, à porta do liceu...tinha-me baldado ás aulas ( os matrecos do JArdim Cinema eram uma tentação pós revolucionária )e ainda por cima vinha a fumar....

naturalissima disse...

P., amigo
Peço desculpas por naõ ter cabeça agora, disponivel paar te ler como deve ser.
Voltarei com mais ânimo para estar contigo de forma mais correcta.

Perdi emu pai, no dia 13... estou profundamente triste.

Deixo-te um beijo
Daniela