2006-10-01
Noites
Leves os rosas nas maçãs do rosto, o adivinhar do sangue por debaixo da pele branca, o toque trémulo dos dedos sentindo o relevo. Os efeitos da luz matinal projectam-se na parede desafiando as cortinas, brincando com elas…Os corpos ainda se encontram juntos, membros baralhados, dispersos nas sombras. Dormem, adivinha-se o respirar, breves sopros de vida…
Conheceram-se ontem. Souberam o nome para se poderem chamar, confirmaram as músicas que estavam a ouvir e falaram. Confessaram tudo o que o álcool quis e dançaram. Nunca a pista e a multidão os conseguiu separar. Agarrando-se com os olhos largaram-se na frenética corrente misturando suores e contactos.
Ela foi com três amigas. Não levou carro. Tinham jantado num restaurante Italiano, daqueles com bandeiras e alusões despropositadas. Beberam vinho tinto e disseram mal de toda a gente…Bem, não disseram só mal, também fizeram alguns julgamentos. Ela não leva aquela regateirice muito a sério, é só para descomprimir. Ainda foram a um bar, foi ai que se libertou…
Todas as semanas espera por estes dois dias, melhor dizendo, duas noites. São cinco dias a trabalhar e dois para rebentar. Já não é muito novo, por isso adquiriu algumas rotinas de conservação. Só o Daniel sabe desse facto, amigo desde sempre para ele não há segredos. Vai com quem calha, já não são muitos os resistentes….Nem sempre leva carro. Hoje levou, arranjaram-lhe algo branco não precisa beber…Talvez…
De manhã nenhuma memória que leve ao afecto os mantém abraçados, apenas o acaso dos corpos procurando conforto, calor. Nenhum sinal de preservativo, confiança total no acaso.
É ela quem acorda primeiro, estranha o contacto, estranha a boca seca, a garganta colada, mas não se mexe. O corpo cansado recusa movimentos, o relaxamento é total, menos a cabeça. Espera um bocado, não sabe quanto, até a bexiga a obrigar a levantar-se. Não está em casa…É a casa da Luísa. Onde estará a Luísa? Tropeça nas roupas espalhadas pelo chão, entra na casa de banho, senta-se na sanita e fecha os olhos…Sente-se adormecer.
Ele também já está acordado e olha aliviado para um soutien. Leva a mão ao sexo fazendo-a descer lentamente até aos testículos, acto reflexo, como se o mundo todo estivesse ali e agarrá-lo o segurasse eternamente…”Esqueci-me!”
Nunca se tinha preocupado com questões de segurança até ao dia em que acordou com um homem. Desde então, em dias de maior desatino, a primeira coisa que faz ao acordar é confirmar a companhia. Começou a usar preservativo para proteger as amantes. Em relação a ele preferiu não saber, cruz que carrega com dificuldade. Faltou-lhe a coragem para ir fazer o teste, chegou a estar à porta do Hospital mas não entrou.
Ela nunca percebeu porque fugiu aquele homem. Saiu da casa de banho ainda a tempo de ver a porta fechar-se…Não teve reacção…”Será que não aprendo…”.
À noite telefonou à mãe. Não lhe contou nada sobre o assunto mas foi como se tivesse sido purificada…Efeito materno da origem.
Foi deitar-se mais descansada prometendo a si própria que iria ao médico.
P.S. A hora tardia faz-me mal e leva-me por essas noites…
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9 comentários:
Consciências...diferentes?!...
Nem tanto, amigo Paulo...nem tanto...
Por vezes, uma noite traz-nos o discernimento duma vida...
Espero que tudo esteja bem, Guerreiro.
Um abraço e boa semana,
Miguel
A sugestão musical era essa mesma, Paulo... nunca pensei que te desses ao trabalho,eheh...tomara que tenha valido a pena ;-),era o que eu estava a ouvir enquanto lia as tuas " Gaivotas"...
Um abraço com o desejo de uma excelente folga...infelizmente não é o meu caso...eheheh...
Curte fixe,
Miguel
O dia seguinte pode amanhecer cheio de sol a penetrar pelas portas dos olhos para nos iluminar a alma.
Mas, o dia seguinte pode amanhecer nebuloso, taciturno e sem graça.
Ah, se toda noite fosse garantia de um dia sem dor de consciência...!
Se cuide e fique bem
A inconsequência de uma noite de impulso, que pode hipotecar o resto de uma vida.
beijo
Há noites assim em vidas assim...
Como será? Como será?e a minha percepção é apenas de papel, até esse mesmo, virtual...a percepção de uma noite no como será que me invade...
Como será????
Ter uma noite destas numa vida destas?
A foto foi tirada na Trafaria e na margem de lá, Lisboa num dia de muito calor :)
Um beijo
Van
PS_Foste o único a reparar na direcção do anzol :))))
Há noites assim... dizem que o amor faz girar o mundo...
A falta de amor... faz noites assim...
Obrigada pelas tuas visitas...
Isabel
Uma ficção que reproduz muitas realidades...
Um abraço.
... no acabar das noites, d'algumas noites, sobe a consciência, recuam os sentidos... não mais que no começar ou acabar d'alguns dias...
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